Compreendendo o Poder Popular
Rede de Educação Cidadã - RECID
A questão do “Poder” e, especificamente, do Poder
Popular é central na definição de um projeto de sociedade. Esse tema deve ser
tratado de forma concreta, pensando em formações sociais e nos modos de
produção existentes. Cada Sociedade tem uma historia própria, no campo
político, social, econômico e cultural. Portanto, como postura de método, não
podemos discutir a questão de forma abstrata, fora da História e das sociedades
concretas.
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- O que é o Poder?
As classes dominantes instituem, por diversos meios
e métodos, uma ordem social que consagra os privilégios das minorias
proprietárias e que, através de complexa cadeia de mediações, deposita nas mãos
dos capitalistas o controle da economia, da política, da cultura e de
praticamente todos os setores da vida social. Esse é o campo da ideologia e da
Comunicação. Estas mediações ocultam de modo eficaz os mecanismos de exploração
e opressão e projetam uma falsa imagem de um consenso amplo em torno da ordem
vigente.
Frente a essa complexa “ordem
dominante”, as classes dominadas respondem, no desenvolvimento histórico, com
diversas formas de luta, que abrem caminho à diversos modos de acesso ao poder.
A História das lutas sociais está marcada por rebeliões, revoltas e revoluções
como tentativas de transformação radical das estruturas sociais.
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- Onde está o Poder?
- Estas lutas radicais que produzem transformações
estruturais na estrutura social (Estado, Capital e Trabalho) necessitam ou
não de um ‘momento de tomada do poder?
- Então o que significa essa “tomada do poder”?
- Tomar o poder equivale à conquista do Governo?
- Tomar o poder equivale à conquista das varias
“cidadelas” da Sociedade Civil?
- Tomar o poder é controlar uma região? Um
território?
3 - A Questão do Estado
Junto à visão estratégica, centrada na questão da
“tomada do poder”, vem junto a questão do Estado, que nessa visão concentra o poder social e, por
isso, é um espaço a ser ‘tomado”. Nesta concepção ‘instrumentalista”, o Estado
capitalista é tido como um simples objeto ou instrumento-máquina, manipulado
pela burguesia. O Estado é uma máquina monolítica sem fissuras. Não está
atravessado por contradições.
Entretanto, pensamos que o Estado é uma “síntese de
conflitos sociais” e não uma ‘coisa’
ou uma ‘maquina apenas’. Numa visão ampla, o Estado é síntese de 3 pontos
centrais da sociedade capitalista:
a) O
Estado do Capital é um Estado de classe. E, portanto, sua lógica é a de
garantir a produção e reprodução das relações capitalistas de produção;
b) O
Estado é também um aparato administrativo, burocrático, político e legal. Essa
Superestrutura tem por base um conjunto de relações de força entre as classes
fundamentais, seus aliados e seus representantes políticos; Em um determinado
momento forma-se um “Bloco Histórico”.
Esse processo de reprodução do capital requer um aparato de força
militar e policial. Deste modo, o Estado detém o monopólio da violência.
c) No
campo das representações simbólicas, da ideologia, o Estado aparece’ como um
cenário ‘neutro’, que oculta sua essência classista.
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4 - “Tomar” o poder ou construir um novo poder?
Se o Estado não é apenas uma ‘maquina’ e/ou uma
coisa’, a transformação social é mais um processo de construção de um novo
Poder que o ato de ‘tomada de algo chamado ‘O Poder’.
Sendo assim, construir novas relações
sociais no conjunto da Sociedade para o campo popular significa:
-
A formação de uma nova
relação de forças na qual as classes populares convertam-se em classes
dominantes. Esse processo requer a mobilização e a organização democrática de
um amplo campo popular com capacidade para derrotar os projetos das classes
dominantes e as desalojarem das posições de poder que ocupam;
-
A ‘construção’ de um
novo poder só pode se efetuar sob uma forte e sistemática construção “por
Baixo”, com base na mobilização e na luta de forças e movimentos populares de
todo tipo e articuladas em uma organização política capaz de sintetizar essas
complexidades.
Neste sentido, as experiências
históricas, guardando a especificidade de cada país, demonstram que a
construção de um novo poder e de uma contra-hegemonia nas sociedades da América
Latina só se dão na medida que conseguem construir um sujeito político plural,
múltiplo, a partir de sua diversidade étnica, articulado há um amplo arco de
forças políticas, culturais, religiosas e sociais.
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- Esfera Pública e Popular e Esfera Estatal Democrático Ética
A consolidação de posições permanentes de Poder
Popular exige a resolução da questão do Poder Estatal. Se o Estado constitui
uma parcela do Poder; se é parte de uma totalidade complexa, a luta política e
de classes também se expressa no interior do Estado.
O exercício do Poder
Estatal-governamental por parte das classes populares constitui um momento
fundamental no projeto para criar um novo Bloco hegemônico. A questão da
autonomia dos movimentos sociais não significa isolamento em relação à questão
do poder, sobretudo do poder concentrado no Estado. Neste sentido, o Estado,
compreendido como espaço de “síntese dos conflitos sociais”, é atravessado
pelas lutas sociais..
Esse processo é marcado pela construção, em todos os
espaços de estruturação da sociedade, por organismos político-culturais que
permitam ao Povo governar-se. Não necessita dar o “Poder” a uma pessoa ou a uma
elite para que governe a todos. As relações sociais se constroem de outro modo.
O “Poder”, vimos, não é uma “coisa”, é uma relação social que pode ser
construída a partir das próprias comunidades.
Neste sentido, o Poder Popular não é
um regime; Ele é práxis, laboratório histórico de experimentação e construção
de novas relações sociais.
O processo de construção do poder
popular, na perspectiva de construção emancipatória e da contra- hegemonia, vai
prefigurando e antecipando a articulação de uma Esfera Pública e uma Esfera
estatal-democrática, ambas em contraposição à Esfera do capital, expressa no
mercado e nas relações mercantilizadas, onde tudo se transforma em mercadoria.
Podemos
sintetizar:
A construção do PP implica uma transformação
radical do Estado que articule a ampliação e o aprofundamento das Instituições
da democracia representativa e das liberdades democráticas conquistadas nas
lutas, com a construção de formas de democracia direta na base e também de
formas de auto-gestão. Contudo, a construção de um poder popular é marcada por
um longo e conflituoso processo de transição econômico, político, social e
cultural. A construção deste processo exige uma Pedagogia emancipatória.
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- A Pedagogia de construção do Poder popular
Essa Pedagogia baseia-se na necessidade de articular o
político com o social, de pensar e fazer política com um fundamento social;
Portanto tem por eixo a idéia de articular e projetar experiências de
‘socialismo prático’ desenvolvidas pelas classes populares. Essa práxis/pedagogia
busca resolver as contradições a favor das classes populares; busca a
reestruturação radical das relações sociais. A participação popular é chave
nesse processo. Não há socialismo sem poder popular e não há poder popular sem
socialismo!
A educação popular é estratégica na
construção da revolução cultural e moral do cotidiano. A construção de uma
contra-hegemonia significa a criação de
uma nova ordem, qualitativamente superior à civilização burguesa; implica uma
dimensão ética e cultural.
Resgatando os pontos do
texto: Educação Popular como Política Pública:
a) A
educação popular tende a colocar a organização popular de base, no centro mesmo
da construção do projeto político alternativo;
b) A educação popular destaca a importância da
democracia na construção do novo projeto hegemônico;
c)
A educação
popular pôe a cultura popular como fonte de identidade e força do projeto
popular nacional;
d) A educação popular reconhece a vida cotidiana, a
‘experiência’, como um espaço de construção da nova hegemonia; Valoriza a
cultura popular e a vida cotidiana do povo;
e) A educação popular pôe em relevo a importância do
papel do individuo e da subjetividade;
f)
A educação
popular assume que o”projeto nacional” é construído a partir das experiências concretas e particulares;
g) A educação Popular tem como fundamental a
sistematização das experiências de lutas e organização sociais. Pois, não há
movimento de transformação sem teoria.
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- A Utopia Concreta e o conteúdo do Poder Popular
“A radical transformação do capital pelos auto-emancipados
de sua presente dominação do metabolismo social (Estado, Capital e Trabalho
assalariado) é o exato conteúdo do projeto socialista. Em oposição ao modo como
se exerce o domínio do Capital sobre a Sociedade, a concepção socialista
vislumbra nas palavras de Marx: ’Um plano geral de indivíduos livremente
associados’. É o que se quer dizer com a proposta de transformação do trabalho
em auto-atividade”, segundo István Mezaros. Tentemos ’traduzir’ essa visão à
luz do Projeto Político Pedagógico da Recid:
7.1
- Os Espaços do poder popular
O Poder não está concentrado em determinado espaço
da sociedade, mas se dissemina de forma desigual, porém combinada no conjunto
da formação social. Neste sentido, a construção de uma contra-hegemonia demanda
a construção de novas relações na totalidade da vida social:
a) Autogestão do processo de trabalho-produção: É a
partir da vida cotidiana e dos locais de trabalho e de moradia que deve começar
a desarticulação e a ruptura com os mecanismos de exploração e dominação. Esta
superação implica a planificação coletiva da produção e a supressão da divisão
econômico-social entre dirigentes e dirigidos. Os trabalhadores convertem-se em
produtores ativos e conscientes, livremente associados.
b) Auto-organização política: a autogestão da atividade
produtiva é apenas um aspecto do projeto político. Ela necessita abranger o
conjunto da sociedade e sua organização. Questionar radicalmente a dominação
política e o poder do Estado enquanto superestrutura alienante. A lógica do lucro
deve ser abolida no conjunto da sociedade: fábricas, escolas, bairros, família,
sindicatos, partidos, igrejas, etc. Trata-se de, sobre a base da realidade
popular, respeitada em sua heterogeneidade, ir construindo um novo metabolismo
social e forjando uma ‘vontade coletiva nacional-popular’ em que diversos
coletivos sociais possam convergir e reconhecer-se dentro de um mesmo projeto
comum. Trata-se, enfim, de os(as) trabalhadores(as) associados(as), de
indivíduos socializados que buscam formar comunidades humanas solidárias.
c)
Autocriação
cultural: As transformações econômicas, e mesmo as modificações sociopolíticas,
não são suficientes para definir o Projeto de transformação social numa linha
de emancipação socialista. Para esta ser radical e integral deve questionar,
criticar e transformar o núcleo primário dos valores e significados que habitam
o mais profundo dos costumes, hábitos e modos de viver e pensar incutidos na e
pela sociedade capitalista. O socialismo deve apontar a socialização não apenas
do ter e do poder, mas, igualmente, a socialização do criar, no sentido de
criar condições objetivas que tornem possível para todos a realização integral
e múltipla de todas as potencialidades criadoras do ser humano. Criar a
possibilidade de uma vida feliz, que só pode ser alcançada mediante uma
liberdade criadora e lúdica e um re-encantamento da vida.
Vemos, de forma clara, como estes
pontos portam afinidades com os Princípios e Diretrizes do “Projeto Político
Pedagógico” da Recid. Vamos buscar em nossa fonte inspiradora no campo
pedagógico elementos que são fermentos as nossas idéias:
8
- O Poder popular e a “Utopia Concreta”
Portanto, a práxis popular articula o realismo das condições atuais com a audácia inovadora derivada de um espírito utópico, o que Paulo Freire chamou de “Inédito-Viável”. A epistemologia de Freire implica “a história como possibilidade” e “ações culturais movidas pelos sonhos, a Utopia libertadora”. Esta tem uma “base ontológica” baseada na “capacidade do ser humano de sonhar”; na “nossa capacidade ontológica de sonhar”. De “projetar para um futuro mais próximo possível dias de paz, equidade e solidariedade. É necessário reativar em nossos corpos conscientes as possibilidades de sonharmos o sonho Utópico que Paulo há anos já vinha nos convidando a sonhar: o sonho possível.
Mas, principalmente, Freire escreveu
um pequeno e profundo ensaio sobre “Algumas Reflexões em torno da Utopia”, que
segue transcrito abaixo:
“Nunca
falo da utopia como uma impossibilidade que, às vezes, pode dar certo. Menos
ainda, jamais falo da utopia como refúgio dos que não atuam ou (como)
inalcançável pronuncia de quem apenas devaneia. Falo da utopia, pelo contrário,
como necessidade fundamental do ser humano. Faz parte de sua natureza,
histórica e socialmente constituindo-se que homens e mulheres não prescindam,
em condições normais, do sonho e da utopia”.
9 - O que é o
Poder Popular ?
Nesta perspectiva, podemos traçar uma
idéia que nos sirva como “chave de leitura”, e como uma referência para
compreender o que é o Poder Popular. Podemos defini-lo assim: “processo através
do qual os locais de vida (trabalho, estudo, lazer, moradia, etc,) das classes populares se
transformem em órgãos coletivos constituintes de um poder social alternativo e
emancipatório, que permita avançar na construção e consolidação de um campo
contra-hegemônico. Trata-se, portanto, de espaços de antecipação e prefiguração
de uma nova ordem social, política e econômica.
Nesta
perspectiva, não é só nas grandes lutas que se constrói Poder Popular; ele é
forjado nas relações que se dão no micro e no cotidiano. É um processo em
permanente construção em diversos espaços e esferas: micro, meso e macro; É uma
construção subjetiva e objetiva, que se
expressa nas relações do dia-a-dia; É, assim, criação ‘heróica’ porque as
pessoas põem sentimento, paixões, estudo, pesquisa, lutas e vida.
É experimentação, abertura a novas
formas de luta e de organização; abertura às novas formas que a realidade vai
colocando como novos desafios. O poder popular precisa estar engravidado do
elemento cultural e ético. Supõe um processo de educação, formação de base,
oficinas, cirandas, encontros, linguagens diversas e também uma mística que
alimente esta construção.
Podemos, então, concluir que não se
trata de “tomar o poder” ,‘por cima”, mas de transformar o mundo, “por baixo” e
desde baixo para cima. O que, nas palavras de Rosa Luxemburgo, caracteriza-se
como um processo de Experimentação onde “os trabalhadores só aprendem a gerir
quando entram em ação, não há outro caminho”.
Equipe de coordenação do
processo de Sistematização
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