EDUCAÇÃO POPULAR, ARTE E CUIDADO EM SAÚDE: Caminhos de Promoção e produção de conhecimento no campo da Saúde.



Por: Jair Soares

        Grandes experiências constituem caminhos de produção de saúde e novos saberes no campo da educação popular em saúde no Brasil. Essas experiências partem inicialmente dos movimentos populares, movimentos sociais, profissionais de saúde, estudantes, militantes das lutas sociais entre outros atores e atrizes.


        Tais movimentos de emancipação no campo da saúde não surgem como algo novo, na verdade, fazem parte de todo um contexto histórico de lutas e resistências em prol da construção de um Sistema Único de saúde que contemple as causas populares, os desafios de acesso aos serviços de saúde, a diminuição das apavorantes filas por uma consulta, bem como a garantia efetiva da saúde como direito.
         Não podemos deixar de frisar aqui os movimentos que fazem parte historicamente deste processo de lutas e desafios como: O Movimento Popular de Saúde – MOPS, Movimento  Camponês, Comunidades Eclesiais de Base – Cebs entre outros movimentos que ao longo de mais de 30 anos vêem construindo esta história.

Nossa História é tão antiga
Se eu for contar você duvida
Desde os tempos de Zumbi
Balaios e Cariris
Nosso Povo passa fome
Sem terra casa sem nome
Nascemos neste País
De feliz a esperançoso
O trabalhador rural
Dando prova de coragem
Fé e organização
Arrebentou o cadeado
Ocupou os descampados
Do litoral serrado sertão
(LIMA. Ray – De sonhação a vida é feita, com crença e luta o ser se faz – MS, Brasília - DF 2013)

        O Cenário da educação popular em saúde no Ceará dar – se á com os movimentos populares que emergem nas periferias de Fortaleza, profissionais de saúde, trabalhadores da saúde, artistas, movimentos de arte e cultura juntamente aos movimentos do interior do estado Cearense. Nessa construção surge a Articulação Nacional de Movimentos e Práticas  de Educação Popular em Saúde – ANEPS, que desde 2002 vem trilhando e refletindo a educação popular no campo da saúde. A ANEPS através de seus processos de encontro, farinhadas e rodas de conversa, conseguiram construir a materialidade de uma proposta libertadora pautada na Pedagogia Freireana.

        Através desta construção a ANEPS, faz surgir uma proposta mais concreta que passa a ocupar um lugar de destaque na gestão em saúde da cidade de Fortaleza, a estratégia de educação popular em saúde Cirandas da Vida que atua enquanto fomentadora dos processos de educação popular em saúde na cidade de Fortaleza e no Brasil.

As Cirandas têm trazido a dimensão das rodas de diálogo envolvendo gestores, movimentos populares, trabalhadores e profissionais de saúde.
        Nessa roda de diálogo onde não existe um saber maior ou menor, nem melhor do que o outro, os caminhos foram sendo trilhados envolvendo as linguagens da arte como: teatro, música, dança, cenopoesia, pintura, artes plásticas etc, outra potencialidade marcante tem sido as experiências populares de cuidado em saúde, trazidas pelas práticas populares dos movimentos como: A massoterapia, terapia comunitária, práticas dos terreiros, medicina popular no qual chamamos amorosamente de farmácia viva, em virtude de seu idealizador o já falecido, Professor Abreu Matos da Universidade Federal do Ceará. Tais experiências foram se inserindo não apenas por convite, mas pela própria essência que constituem os seios populares.
Eu vi um homem na rua
Cantando com sua voz
Embargada de pigarros
Com sua língua rota e nua
Desde o tempo em que eu nasci
Logo aprendi algo assim
Cuidar do outro é cuidar de mim
Cuidar de mim é cuidar do mundo
( LIMA, Ray – Retirado do roteiro cenopoetico – De sonhação a Vida é Feita, com crença e luta o ser se faz)

        Nas rodas da educação Popular o debate sobre a saúde, não pode ser construído de forma verticalizada, como já vem sendo produzido ao longo dos séculos, por discursos de cunho adoecedor e hospitalocentrico. Essa proposta da educação popular no campo da saúde, se faz necessária por que faz parte da vida popular, antes de tudo, a saúde é produzida pelas pessoas e não pelos doutos, constituídos de saberes técnicos que depositam seus conhecimentos nas cabeças das populações.

           A educação popular como caminho de produção de saúde, criticidade e autonomia dos sujeitos desvelou diversas experiências significativas que vem contribuindo para um fazer saúde junto ás populações deste Brasil. Nessa perspectiva não se aponta no debate apenas as questões de saúde como ausência de doença, mas a saúde enquanto potencialidade que se constrói com a autonomia dos sujeitos.
        Como produzir saúde? Como trabalhar a ideia de autonomia dos sujeitos? Como promover realmente a saúde enquanto tal? Como construir uma práxis que realmente valorize os diversos saberes?  
         Paulo Freire apontava em seu pensamento epistêmico, que existiam opressores e oprimidos, esses mesmos oprimidos seriam os responsáveis para libertarem os opressores de sua condição, esse modelo de opressão é reflexo de um modelo de sociedade que foi construída historicamente trazendo em sua essência, tendências totalitárias, excludentes, fascistas e de manipulação e coisificação dos diversos sujeitos. Para Paulo Freire o opressor é aquele que trata o outro ser como simples objeto, como uma coisa. Daí a relação que se estabelece enquanto bancária e problematizadora.
          Freire utilizava como referencia a figura do professor para fazer uma grande reflexão crítica ao modelo opressor no qual o processo de conhecimento é construído ao longo da modernidade, "dotado de conhecimento e luz o "professor" seria o grande responsável para depositar o saber nas cabeças vazias dos alunos". É importante perceber que Paulo Freire parte do campo educacional, entretanto a educação popular se constitui como um campo epistêmico vital, ou seja, a educação e o conhecimento são universais, portanto, fazem parte de um todo.  
         Desta forma, os princípios como a dialogicidade, amorosidade, politicidade, criticidade e Humanização, tornaram – se as bases de atuação dos movimentos que vêem constituindo a educação popular em saúde no cenário nacional.
         A Materialidade da Educação Popular em saúde, na qual foi citada no inicio do texto reflete – se na práxis libertadora dos círculos de cultura, espaço de diálogo onde homens e mulheres constroem possibilidade de intervenção coletiva no campo da saúde, rumo a um projeto político e democrático. Este tem sido talvez o espaço das descobertas, criações, produções científicas e encaminhamento de superação em relação às questões da saúde. É nos círculos de cultura que os diversos atores e atrizes socializam suas experiências, propõem estratégias de superação das situações limites através dos atos limites de libertação. Esse é o exercício no qual Paulo Freire colocava como a comunhão entre os homens.
        Nos círculos de cultura são exercitadas as trocas de saberes, as manifestações da arte que potencializam os processos de discussão sobre a saúde. Os atos cenopoéticos, as cantigas, músicas, espetáculo teatrais, poemas entre outros, problematizam assuntos que muitas vezes são dialogados de forma “dura”, ou seja, através de tecnologias arcaicas que continuam a colocar os sujeitos apenas como meros objetos.
         O abraço e o afeto, embalados pela boniteza e a amorosidade, vão construindo o inédito viável nas rodas da educação popular. Tem sido assim, nos estados que compõem este Brasil. A educação popular vem aos poucos adentrando os espaços das academias como práxis e não apenas como estudos de cunho teorético e distantes de sua verdadeira proposta, esse talvez seja, um dos grandes objetivos que nos movem nesta caminhada, conquistar o universo muitas vezes doloroso da academia, adentrar as estruturas e a essência tecnocrática das universidades de forma amorosa e ao mesmo tempo problematizadora.

        Nessas rodas os estudantes e profissionais das diversas áreas da saúde e de outras esferas de conhecimento, vão percebendo que o diálogo entre os homens e mulheres se fazem necessários e que a forma na qual a academia trata as relações com outro são antiquadas, não constroem sujeitos e sim máquinas para atuarem na selva de pedra constituída enquanto produto do capitalismo.
         Por isso continuamos o desafio de construir uma ideia e uma prática em saúde que possa unir os saberes, que possa melhorar a qualidade dos serviços de forma mais amorosa, que possa olhar o ser enquanto sujeito de direito, que possa diminuir a ideia de consciência ingênua na qual Paulo Freire coloca em seus escritos.

        Que juntos caminharemos de forma amorosa, por que antes de tudo, educar é uma ato de amor entre homens e mulheres. Seremos responsáveis para animar o processo de conhecimento vital, de forma crítica e problematizadora, percebemos o desafio e encaramos o mesmo como uma situação-limite que precisa ser superada pelas nossas potencialidades. 

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