A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE, APRENDIZAGEM FLUTUANTE E UM CONVITE PARA PENSAR, SENTIR E SE EXPRESSAR.


(Texto utilizado no curso de Aperfeiçoamento em educação permanente e ensino na saúde - Curso Educação Permanente em saúde em Movimento - UFRGS)



Consideramos que a experiência é aprendizagem e que aprender e experienciar são processos que não se fazem somente com a cabeça, mas com o corpo, com vibrações que nos afetam e afetam a outros. Assim, o cotidiano do trabalho em saúde é produzido por muitas vivências que vão compondo experiências. Elas deixam marcas em nós.

Ora, o que estamos chamando de marcas são exatamente estes estados inéditos que se produzem em nosso corpo, a partir das composições que vamos vivendo. Cada um destes estados constitui uma diferença que instaura uma abertura para a criação de um novo corpo (ROLNIK, 1993, p. 2).

Pensando nessas marcas, nas conexões que foram produzindo o trabalho em saúde em que você “se encontra” e também se desencontra, e que também produziram você, sua equipe e a população atendida em suas marcas, propomos uma experimentação: Experimente algum tempo de seu trabalho (pode ser um minuto, uma hora, um dia uma semana, não importa o tempo cronológico, mas a intensidade), como ele modela seu pensamento, sua postura, o trabalho… Escolha uma forma para expressar sua experiência em uma das entradas (entrada das Experimentações: colagem, poema, gravação de voz, música, etc.; entrada do diário cartográfico: texto). 

A outra parte da experiência (pode vir antes da anterior) é a seguinte: experimente modificar os arranjos de atendimento à população e de trabalho com sua equipe. Fique desatento e apenas sinta os efeitos: se a experiência for com uma consulta individual, experimente fazer outras questões, use outra lógica; se for um grupo educativo, experimente algo que não realizou antes, mas que pensa ser interessante como uma ação artística da unidade de saúde, um espaço de dança. Experimente, proponha algo diferente e atente aos efeitos desse “entre”. Recolha efeitos, não tenha pressa em traduzir ou nominar, nem em localizar. Quando palavras ou definições brotarem, registre-as deformando-as, brincando com elas.

As cenas narradas por você ou, se preferir, as da Entrada Cenas, possibilitam diversos questionamentos, incertezas, incômodos, afetações. Esses movimentos podem nos fazer refletir sobre o processo de trabalho e de existência que vivenciamos.

Ou melhor, às vezes precisamos desses efeitos inesperados, produzidos por algo inusitado, para nos permitirmos sentir a existência de aspectos que vão além do nome, número no prontuário, caso, número de leito, entre outros aspectos que não registramos porque estávamos capturados (“soterrados”) em alto grau pelo mundo das organizações, do trabalho, pelo mundo das ciências, esquecendo o mundo da vida. Estes movimentos de contínua e incessante mudança que ocorrem em nós e no mundo e estes fluxos “energéticos” podem ser vislumbrados por meio de uma brincadeira já muito conhecida de trocar de papéis, ou seja, mais do que “papéis” é necessário deixar-se “sentir ser o outro”. Você pode fazer isso com coisas simples pensando como:
– Como sentem o motorista e o pedestre diante da faixa de segurança?
– Como se sentem o goleiro e o artilheiro cobrando pênalti?
EPS em Movimento – Entrada Textos –

A EPS, aprendizagem flutuante e um convite para pensar, sentir e se expressar
Mas você também pode fazer isso em dimensões mais amplas, quando pensa, por exemplo, que o usuário, ao chegar ao serviço de saúde, encontra-se envolvido em um ambiente de diferenças e distanciamentos. Diferenças entre a racionalidade com que o processo de trabalho, burocratizado e mecânico se apresenta diante da pulsão do usuário em se livrar da dor/incômodo; distanciamento entre a lógica organizacional e a emergência do sofrer, diferenças entre o saber técnico e o saber popular; distanciamento entre a “pretensa” informação de uns e desinformação de muitos; enfim as diferenças entre o poder técnico e a submissão dos “pacientes”.

E você também pode se aventurar imaginando ser “outros” a partir de três movimentos:
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– Eu e meu lugar no qual você se afirma e se reconhece;
– eu e os outros na diversidade na qual as pessoas reconhecem a existência de outros;
–eu e os outros em todos os lugares que permitem a viagem por identidades plurais.
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Com esse pensamento, imagine agora que você precisa desenvolver a capacidade de detectar os fluxos e as vibrações das pessoas, das coisas e dos processos a fim de que tudo isso se encontre, se entrelace, se articule, se misture constituindo a potência para o devir que desejamos. Então a primeira tarefa é você tentar “fugir” da cabeça (racional) e deixar-se levar pela emoção.

 Faça uma atividade da Entrada EXPERIMENTAÇÕES e registre no DIÁRIO CARTOGRÁFICO tudo o que lhe tem passado despercebido, sensações, desejos, emoções, decisões, atitudes, enfim, tudo que até então parecia insignificante como uma música, um gesto, um poema, um grafite...No encontro, os corpos, em seu poder de afetar e serem afetados, se atraem ou se repelem. Dos movimentos de atração e repulsa geram-se efeitos: corpos são tomados por uma mistura de afetos. E estes afetos vão gerando um segundo movimento – intensidades buscam formar máscaras para se apresentarem, se simularem.

 Afetos só ganham espessura do real quando se efetuam. Esses dois movimentos só são apreensíveis pelo seu olho vibrátil, corpo sensível aos efeitos dos encontros e suas reações: atração, repulsa, afetos, simulação em matérias de expressão. (ROLNIK, 2007, p.31)

Você próprio é que terá de encontrar algo que funcione como uma espécie de fator de afetivação e que desperte o seu corpo vibrátil. Pode ser um passeio solitário, um poema, uma música, um filme, um cheiro ou um gosto... pode ser uma escrita, a dança, um encontro amoroso ou um desencontro... que aguçará a sua sensibilidade para habitar o ilocalizável, o invisível. Encontre o seu próprio fator de afetivação. Esse exercício todo é um convite ao pensamento flutuante... ao encontro com sua sensibilidade!!

Mas veja que no cotidiano você não fica o tempo todo capturado... Há cenas em que algo em seu encontro com o usuário ou com seu colega trabalhador mobiliza você diferente, de forma que você fabrica outros caminhos que não os habituais. É interessante também saber, analisando essas cenas em que você foi agenciado de outro modo, o que o mobiliza para além das normas, das regras, do funcionamento habitual... Já prestou atenção nisso? Quer experimentar?

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TEXTOS DE APOIO
ROLNIK, Suely. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. Cadernos de subjetividade, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 241-251, set./fev. 1993.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2007.
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EPS em Movimento – Entrada Textos –
A EPS, aprendizagem flutuante e um convite para pensar, sentir e se expressar
Como incluir este artigo em sua lista de referências, utilizando o formato ABNT (conforme a NBR 6023 - Informação e Documentação - Referências - Elaboração.)
Exemplo:
EPS EM MOVIMENTO. A EPS, aprendizagem flutuante e um convite para pensar, sentir e se expressar. 2014. Disponível em: <http://eps.otics.org/material/entrada-textos/a-eps-aprendizagem-flutuante-e-um-convite-para-pensar-sentir-e-se-expressar>. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Atenção!!
- substitua a data de "acesso em", do exemplo acima, de acordo com a data em que você acessou o documento. Exemplo: 29 jul. 2014. (o mes é abreviado)
- o recurso tipográfico utilizado acima (itálico), pode ser substituído por negrito, se você optar por este padrão em suas referências (consulte a NBR 6023).
- para verificar como citar documentos dentro de um texto, consulte a NBR 10520:2002 - Informação e documentação - Citações em documentos - Apresentação

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