BOCA DA LUA
Por: Jair Soares
A Noite estava chegando, corri feito um
louco para a esquina da Rua Boca da Lua, meu coração estava inebriado com
aquele som, sim! Aquela marcação de ferro e Bumbo com um tom de negritude e
cores cintilantes, anáguas, lantejoulas, boneca de cera e um Porta Estandarte.
Um ato solene, ancestral e cultural que passava sempre pela Boca da Lua.
Papai ficava aos berros, chamando por meu
nome: Passa para dentro menino! Eu era o quinto de oito filhos e de uma família
negra com resquícios coloniais, papai cuidava da gente, por que mamãe tinha
adentrado as portas celestiais, doloroso, mas fazer o que? Aceitei mesmo com a
dor. Voltei correndo e ao mesmo tempo com medo. Em casa, aquela lição de moral,
preconceituosa de cor, gênero e cultura.
Olhe você já mais se misture com aquela
gente! Eu me perguntava: Por que a raiva? O que essas pessoas fizeram para o
senhor? O silencio era a resposta mais objetiva que pude receber.
Na escola ao conversar com grande exultação
com os amigos sobre aqueles cortejos da Boca da Lua, logo deparava - me com
comentários irônicos por parte deles e inclusive da professora, para eles
aquilo tudo não passava de bruxaria, coisas do demônio, algo repugnante que
deveria ser banido. Mais uma vez percebi a áurea de meu pai perfazendo aquele
recinto onde estavam meus amigos.
Como pode? Até aqui na escola? Como um
espaço que era para ser um exemplo de formação cultural e do conhecimento agia
desta forma? Voltei para casa mais confuso com meus problemas, buscando uma
explicação para tal situação.
Em casa adentrei o quarto do meu pai à
noite, acho que, durante esses dezessetes anos de vida, essa foi à única vez
que consegui entrar naquele quarto escuro e empoeirado. Avistei um baú enorme
de cor cinza, nossa! Esse negócio deve pesar uma tonelada, abri a tampa que
estava coberta por tecidos coloridos, vi as fotos de meu pai fantasiado de
rainha, da mesma forma em que as pessoas, estavam vestidas naquele dia na Boca
da Lua. Logo veio o susto, por que ele criticava algo no qual participava? Por
que escondia de mim?
Nas minhas costas uma voz em alto e bom tom,
me respondia: As suas perguntas foram as minhas a quarenta anos atrás, de lá
para cá ainda venho sofrendo as diversas formas de preconceito que você
presenciou. É difícil ser negro em Boca da Lua e no Brasil como um todo, mesmo
com a escravidão abolida há cento e vinte três anos de lutas e resistências,
ser negro é uma coisa difícil e não quero que sofra o que eu sofri. A
escravidão acabou no papel meu filho, mas as práticas continuam de outras
formas.
Acolhi aquelas palavras com as lágrimas
prestes a cair, com a saliva engasgada abracei - o e sutilmente fiquei pensando
sobre o essas intolerâncias que destroem as almas e os corações de um povo.
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