UM
PANORAMA INICIAL SOBRE DIMENSÃO ESTÉTICA EM MARCUSE E SUA CRÍTICA
AOS ESTETAS DO MARXISMO ORTODOXO
Jair Soares de Sousa1
RESUMO
Para
Marcuse a arte
ou dimensão estética é um componente essencial
para
o
processo revolucionário da consciência e
do
comportamento dos indivíduos.
É
o
libertar do espírito absoluto em linguagem
hegeliana.
Neste
sentido, a arte
configura-se
como
a fantasia que faz com que o "aparente" possa revelar
a essência das coisas. Essência
aqui é
compreendida
não
como
um
campo metafísico, e sim como
desvelamento das questões incrustadas dentro de uma verdade do
"establishment"
na
totalidade das relações,
que não condiz com o real. Em
bases dialéticas seria
a arte em
meio ás
contradições internas
e
externas, apontando
a contraposição com a representação da forma
estética.
Marcuse
preocupado com as questões estéticas no século XX apresentadas
pelos estetas do marxismo ortodoxo, fez sua reflexão em
contraposição há algumas teses defendidas por estes estetas como:
uma relação definida de arte limitada há uma classe social , o
político e o estético fazendo parte da mesma esfera, não havendo
distinção em relação aos escritores de literatura ou outro
gênero, esses teriam de escrever especificamente para exprimir os
interesses da classe em ascensão, no caso da relação com o modo de
produção capitalista, escreveriam apenas para o proletariado. Em
seu livro “A
Dimensão
Estética” (1977),
vai
apresentar
sua defesa, afirmando que a "experiência da arte transcende as
relações materiais". Considera
que correntes literárias como o romantismo são fundamentais para o
despertar de consciências e que a autonomia
da arte (independência,
liberdade)
possui
o imperativo categórico as "coisas tem de mudar" para além
do realismo vigente dos
estetas do marxismo
ortodoxo.
A
partir destes pressupostos pretende–se com este trabalho apresentar
uma
visão
inicial
da
relação do filósofo com a arte,
expor a crítica marcuseana
á
estética marxista de cunho ortodoxo, explicitar um
panorama sobre a dimensão
estética e problematizar a importância
da função crítica da arte e da subjetividade para a luta de
libertação.
PALAVRAS
- CHAVE: Estética,
Arte,
Ortodoxia,
Subjetividade,
Libertação
ABSTRACT
For
Marcuse art or aesthetic dimension is an essential component of the
revolutionary process of consciousness and behavior of individuals.
It is the release of the absolute spirit in Hegelian language. In
this sense, art is configured as the fantasy that makes the
"apparent" to reveal the essence of things. Essence here is
understood not as a metaphysical field, but as unveiling of embedded
questions in a truth of "establishment" in the totality of
relations, which is not consistent with reality. In dialectics bases
would be the art through the internal and external contradictions,
pointing out the contrast with the representation of aesthetic form.
Marcuse worried about aesthetic issues in the twentieth century
presented by the aesthetes of orthodox Marxism, made his reflection
in contrast there are some theses for these aesthetes as a definite
relationship of limited art there is a social class, the political
and the aesthetic part of the same sphere, there is no distinction in
relation to literature or other genre writers, these would have to
write specifically to express the interests of the rising class, in
the case of the relationship with the capitalist mode of production,
would write only for the proletariat. In his book "The Aesthetic
Dimension" (1977), will present his defense, saying that "art
experience transcends the material relations". Considers that
literary currents as romanticism are key to raising awareness and the
autonomy of art (independence, freedom) has the categorical
imperative "things must change" beyond the current realism
of aesthetes of orthodox Marxism. From these assumptions it is
intended with this work provide an initial view philosopher's
relationship with art, expose critical Marcuse will aesthetic Marxist
orthodox nature, explaining an overview of the aesthetic dimension
and discuss the importance of the critical function of art and
subjectivity to the liberation struggle.
Keywords:
Aesthetics, Art, Orthodoxy, Subjectivity, Release
INTRODUÇÃO
Para Marcuse
(1898–1979) a
arte
ou a dimensão estética é um componente essencial
para
o
processo revolucionário quer da consciência, quer do
comportamento dos indivíduos. Suas teses sobre questões
estéticas estão presentes na maioria dos seus escritos, não por
acaso, estuda o momento literário, artístico, filosófico e
político do romantismo alemão, expões tanto a dimensão das obras
do dramaturgo Schiller quanto a importância da dinâmica do sistema
de Hegel, que compreende como espírito absoluto a experiência da
arte, religião e da filosofia. A arte é para Hegel o primeiro
momento de afirmação do espírito absoluto. Destaca–se aqui a
influência do pensamento estético de Hegel como base do pensamento
de Marcuse, a arte tem a função de possibilitar a consciência de
si.
No difícil e obscuro sistema
hegeliano, a arte é simultaneamente, uma manifestação que torna2
o espírito consciente de seus interesses e um modo através do qual
o homem diferencia–e da natureza, situa–se em face de seu próprio
ser, faz–se objeto de contemplação, exterioriza–se,
desdobra–se, projeta–se, representa–se a sí próprio e, assim,
toma consciência de si ( FREDERICO,2013, p.27).
Em 1925 como
aluno da Universidade de Berlim, escreve
sua primeira publicação a partir de
uma revisão bibliográfica do dramaturgo e poeta alemão Frederich
von
Schiller3.
As obras dramáticas, filosóficas e estéticas de Schiller segundo
Marcuse, sempre foram marcadas pela
defesa da liberdade, tema este indissociável de
seu pensamento. Uma
segunda observação
é que Schiller produziu obras que ressaltavam a rebeldia social e
política
de seus personagens, dramaturgia esta que retratava a saga de heróis
que faziam oposição ás
sociedades vigentes, corruptas e corruptoras dos valores humanos e
dos ideais
como a fraternidade e a esperança.
Importante
frisar que "arte
e estética"
para Marcuse estão
intrinsecamente interligadas, vai
interessar-se
particularmente pela literatura de origem alemã
sem deixar de referendar
outras correntes que trataram sobre as artes como é o caso das
vanguardas russas e francesas.
A
tese de doutoramento de Marcuse intitulada: Der
Deutsche Kunstlerroman (O
romance do
artista alemão) é a
segunda experiência sistemática sobre a arte que Marcuse sobre
a qual ocupar–se-á.
Nesta tese, separa a
experiência da arte e do artista da vida cotidiana,
para Marcuse a experiência do artista não é a mesma dos homens que
o cercam. Outra
obra em que a
estética vai se fazer
presente é no
clássico Eros e
Civilização(1955).
No
capítulo nove refere-se
a dimensão estética. Neste
capítulo apresenta as
seguintes teses: a
estética como ciência
da sensualidade, reconciliação entre prazer e liberdade, instinto e
moralidade, as teorias estéticas de Baumgartem, Kant e Schiller,
elementos de uma cultura não repressiva e por fim transformação do
trabalho como atividade lúdica. Na
obra O
homem
unidimensional:
A ideologia da
sociedade industrial avançada (1964)4,
a
arte é
exposta como contraposição
á
sociedade e ao
pensamento unidimensional5.
No livro Contra–Revolução
e revolta (1972),
com o texto "Arte e
revolução", fala
necessidade de uma linguagem que possa transcender a experiência
ordinária da arte e do
mundo, a negação de uma
experiência que faz com que os indivíduos percebam o existente como
verdadeiro.
A comunicação dos novos
objetivos históricos, radicalmente não conformistas, da revolução
exige uma linguagem igualmente não–conformista (na mais lata
acepção), uma linguagem que atinja uma população que introjetou
as necessidades e valores dos seus amos e gerentes e os tornou seus,
assim reproduzindo o sistema estabelecido em seus espíritos, suas
consciências, seus sentidos e instintos (MARCUSE, 1972, p, 81).
Por
fim escreve o ensaio intitulado
A
dimensão estética (1977)
na perspectiva
inicial de contribuir com a estética marxista. O
motivo de escrever sobre as questões estéticas nessa obra foi
a
crítica á uma compreensão vulgar do
pensamento marxista em
relação ás
questões estéticas
levantadas
pelos estetas marxismo
ortodoxo. O
filósofo "não nomeia" especificamente na
obra esses
estetas, todavia
é possível levantar com
certa precisão uma base da
"estética ortodoxa" centrada no
marxismo–leninista–maoista,
que tem como movimento
artístico o
realismo.
1. Um
panorama inicial sobre
a dimensão estética
em Marcuse
Para Marcuse é clara a
"aproximação"
da arte no contexto das relações sociais, a arte é
a forma criativa da
consciência dentro de um
percurso histórico da
vida e da
sensibilidade
dos indivíduos. Entretanto,
a experiência da arte não é
intrinsecamente ligada a vida cotidiana, pois o mundo da arte e do
artista seria um outro
mundo.
Fantasia, subjetividade e criatividade não são constituintes desta
experiência, a própria sociedade identifica o artista e a arte como
tipos sociais distintos. A
arte não pode abolir a
divisão social do trabalho que conduz seu caráter esotérico, mas
também não se pode popularizar sem atenuar o seu impacto
emancipatório (MARCUSE,
1977,p,
32). Entretanto,
"limitar a arte apenas as questões de "base
superestrutura" seria um tanto perigoso, tal
proposição estaria negligenciando
o próprio pensamento de Marx, partindo do pressuposto que Marx não
nega a "consciência", exposta no pensamento hegeliano.
Partindo
para a
compreensão da estética marxista ortodoxa, esta
interpretou o pensamento de Marx como se a "arte" findasse
na objetivação(aparente
e existente),
esta
afirmação é perigosa a partir da defesa de que "tudo
aquilo que é criado externamente ao ser, existe independentemente a
ele",
como um quadro, uma música ou o próprio trabalho.
A
subjetividade então negada pelos
estetas do marxismo
ortodoxo
é
o "oposto", isto é, tudo que diz respeito ao ser no campo
individual. Neste
seguimento,
há de se considerar
que os indivíduos possuem sentimentos, percepções e
ideias. São
responsáveis pela criação e ao mesmo tempo negação através da
arte, do que está no mundo (ser
outro).
A
busca por
uma outra imagem de
libertação,
isto
é,
o dever ser.
Para
os
estetas do marxismo ortodoxo essa compreensão levantada por Marx
ficou como uma estrutura limitada, enrijecida apenas no contexto das
relações sociais materiais
existentes. Para
Marcuse a virtude das formas estéticas são autônomas
em relação aos processos de relações sociais existentes, pelo
fato da arte contestar e transcender estas relações. Não há como
negar a experiência transcendente da arte, a sua irracionalidade
racional, a fantasia e a representação que não se comportam
nas relações dos indivíduos na esfera política.
Limitar
a experiência e a função "negadora" da arte junto
a esfera das relações de produção e de posição de classe
seria destruir a própria consciência e a subjetividade criativa dos
indivíduos6.
A universalidade
da arte não pode radicar no mundo e na imagem do mundo de uma
determinada classe (MARCUSE, 1977,P.28).
É
com a possibilidade da liberdade ideal dada pela arte e o artista,
que através de sua manifestação
consegue
escapar de uma realidade opressora e consegue "romper ou não",
com automatismos e subjugações do fazer, alcançando assim a ativa
condição de sujeito pensante produtor sí.
A separação da arte do
processo da produção material deu–lhe a possibilidade de
desmistificar a realidade reproduzida neste processo. A arte desafia
o monopólio da realidade estabelecida em determinar o que é real e
fa–lo criando um mundo fictício que, no entanto é mais real que a
própria realidade (MARCUSE, 1977, p, 33).
A
arte
seria transcendente se ela não participar da "estrutura
política", ou seja, a arte por sí, constitui–se como esfera
transcendente. A partir do momento em que relacionam a arte em uma
"estrutura política", ela passa a não fazer sua recusa,
pois na base política ela findaria apenas como
um aparato dentro das estruturas dominantes do status quo. Como
foi utilizada nas campanhas
publicitárias
e
comunicacionais do Nazifascismo.
Sendo
utilizada dentro
de uma ótica da razão instrumental, alicerçada
na
estrutura política do estado como forma de dominação dos
indivíduos e
não como libertação.
Não obstante, a arte e sua dimensão estética possuem suas
possibilidades para um avanço qualitativo do ser humano. No
centro desta discussão, está a ideia de uma arte autônoma em
confronto com a indústria de
arte capitalista, por um lado, e a parte da propaganda radical, por
outro (MARCUSE, 1977,
p. 81). Contudo
a arte para além das experienciais e relações sociais limitadas,
ela enquanto tal, é produto da subjetividade, da criatividade e da
transcendência, portanto, limitar a experiência da arte a base
material, como fizeram os estetas do marxismo ortodoxo seria destruir
as possibilidades da transformação com o elemento da arte.
Numa situação em que a
infeliz realidade só pode modificar–se através da práxis
política radical, a preocupação com a estética exige uma
justificação. Seria inútil negar o elemento de desespero inerente
a esta preocupação: a evasão para um mundo de ficção onde as
condições existentes só se alteram e se suplantam no mundo da
imaginação (MARCUSE, 1977, p.15).
Marcuse defende na dimensão
estética, a revitalização da arte enquanto subversão da percepção
dos indivíduos em meio a
realidade estabelecida. O
mundo concreto das relações sociais, conduzido por meio de uma
razão instrumental alicerçada no desenvolvimento das sociedades
industriais avançadas, regem a vida social, fazendo com que os
indivíduos, inclusive os intelectuais permaneçam obedecendo a batuta
desta regência. Esta é uma das questões que levam Marcuse á
preocupar-se
com a defesa
das
questão das faculdades mentais. Por
isso eleva a arte como
componente essencial para
pensar negativamente, a arte
enquanto negadora de um mundo que contradiz a si mesmo, e que ao
mesmo tempo que se contradiz, é nele, que se construirá as
possibilidades com a arte. É
na forma estética que é possível surgir a oposição a realidade
estabelecida, através da catarse reconciliadora da arte.
2. A Crítica de Marcuse
aos estetas do marxismo ortodoxo
A categoria "ortodoxia"
é por deveras levantada na crítica Marcuseana, para este, a
ortodoxia não contribuiria para o avanço dos processos qualitativos
e humanitários em meio as contradições do mundo. Expõe que a
ortodoxia dos estetas marxistas deixaria o homem cair na própria
"reificação" que foi tão combatida pelo materialismo
histórico dialético. Ou seja, tornar ou reduzir os indivíduos há
objetos ou coisas7.
Em Marx é a própria coisificação do homem.
A reificação da estética
marxista deprecia e distorce a verdade expressa neste universo
minimiza a função cognitiva da arte como ideologia. Pois o
potencial radical da arte reside precisamente no seu caráter
ideológico, na sua relação transcendente com a base. A ideologia
nem sempre é ideologia falsa consciência (MARCUSE, § 21, p, 25).
Com
esta
definição de
ortodoxia
em
relação á
arte, não
há pensamento negativo nas
relações objetivas,
apenas aceitação do status quo. Uma
paralisia
da crítica, uma sociedade sem oposição, seguindo
a aparente forma estética
dominante, alicerçada na base superestrutura (estrutura econômica da sociedade, o conjunto das relações de produção de
uma
determinada
sociedade)8.
Assim
esta ortodoxia compreendia a arte dentro do invólucro das relações
materiais de produção, destruindo assim, o potencial da
criatividade e da subjetividade humana. Por
ortodoxia compreendo a interpretação da qualidade e verdade de uma
obra de arte em termos da totalidade das relações de produção
existentes (MARCUSE,1977,p.11).
Neste seguimento,
é evidente a limitação da arte apenas como um aparato dentro das
relações de produção, verifica–se com esta reflexão um
problema central para Marcuse, partindo do pressuposto que nesta
perspectiva a arte estaria atrelada a uma função política,
percebe–se que o termo
"função
e potencial política"
precisar ser revisto.
Marcuse expõe que a
experiência da arte "por sí" ou na "forma estética"
conduz um potencial político. O potencial político é a capacidade
negadora que arte tem de transcender a experiência do verdadeiro com
o fictício, confrontar a realidade com a fantasia ou com a mimeses
(distanciamento/imitação) para que possar aparecer uma outra imagem
para além do que é aceito como verdadeiro9.
Pois o "verdadeiro" é compreendido como "o que está
ai", mas não é ainda efetividade.
O que "está" possuem contradições que precisam ser
evidenciadas com a arte através da estética. Para que a partir
deste movimento possa surgir por meio da consciência uma outra
imagem. A imagem de libertação.
A arte tem a sua própria
linguagem e ilumina a realidade através desta outra linguagem. Além
disso, a arte tem a sua própria dimensão de afirmação e negação,
uma dimensão que não se pode coordenar com o processo social de
produção (MARCUSE, § 2, p. 33).
Para tanto é necessário
perceber o que nos diz Marcuse sobre as teses da estética marxista
ortodoxa, partindo primeiramente da mera compreensão da arte
alicerçada na base material, vinculada a totalidade das relações
de produção. Esses estetas concebem a arte da seguinte forma : 1 –
a arte possuem uma relação definida com a classe social , 2 - o
político e o estético fazem parte da mesma esfera não havendo
distinção, em relação aos escritores de literatura ou outro
gênero, teriam de escrever especificamente para exprimir os
interesses da classe em ascensão, 4 - no caso do modo de produção
capitalista, escreveria apenas em prol do proletariado.
No cerne da literatura apenas o realismo seria mais
conveniente com as relações sociais, sendo a forma de arte correta
para os estetas.
Em contraste com as
formulações mais dialéticas de Marx e Engels, a concepção
tornou–se um esquema rígido, uma esquematização que teve
consequências devastadoras para a estética. O esquema implica uma
noção normativa da base material como a verdadeira realidade e uma
desvalorização política de forças não materiais, particularmente
da consciência individual (MARCUSE, 1977 p.16-17).
A proposição nos leva a
perceber que a arte ou a sua dimensão estética estava condenada a
uma base ideológica do materialismo histórico vulgar, deixando o
movimento da consciência e da subjetividade como se fossem
contingentes, neste caso, se o materialismo não é capaz de
revitalizar a subjetividade, cairia em uma tese vulgar do
materialismo histórico e dialético. A reivindicação de Marcuse
contra este ortodoxismo consiste em não deixar morrer o pensamento
negativo e a subjetividade criadora em meio ao mundo simplista das
relações sociais. Os indivíduos precisam sair da experiência real
rumo a invalidação do que está posto. Neste sentido é na
experiência da arte e na sua forma estética que é levantada
essa possibilidade de confrontar a realidade com a verdade sobre a
realidade10.
A
subjetividade dos indivíduos, a sua própria consciência e
inconsciência tendem a ser dissolvidos na consciência de classe.
Assim é minimizado um importante pré – requisito da revolução,
nomeadamente, o fato de que a necessidade de mudança radical se deve
basear na subjetividade dos próprios indivíduos, na sua
inteligência e as suas paixões, nos seus impulsos e nos seus
objetivos ( MARCUSE, 1977,
p. 17).
3. O conceito de dimensão
estética em Marcuse: A função crítica e subjetiva da arte para a
luta de libertação
A distinção
entre arte
e ação política é
uma questão central para Marcuse,
cada perspectiva
possuem a sua particularidade. A
qualidade estética e a tendência política estão inerentemente
relacionadas, mas a sua unidade não é imediata (MARCUSE, 1977, p.
60). A
arte e o artísta têm
sua
contribuição com a arte.
Lembramos aqui o motivo
pelo qual Hegel também divide o seu sistema de ciências, apontando
o papel de cada categoria, temos a arte, religião e a filosofia.
O
artista em relação a
ação política não
participa como artista, pois a arte transcende as relações
materiais e políticas, mesmo sabendo que ela enquanto tal, possuem o
seu potencial político, "unicamente como arte", em
sua forma estética e na fantasia, mas "nunca uma mera fantasia
ou ilusão". Veremos o sentido pelo qual Marcuse deixa claro a
distinção entre arte ou estética e ação política. Como mundo
fictício, como ilusão (Schein), contém mais verdade que a
realidade de todos os dias. Pois esta ultima é mistificada nas suas
instituições e relações, que fazem da necessidade uma escolha e
da alienação uma auto – realização (MARCUSE, 1977, p. 61).
A expressão estética de origem grega (aisthésis) é a
compreensão das percepções, sensações e sensibilidades,
apresentadas, representadas ou produzidas pelos indivíduos. Em vias
Baumgartenianas a estética é a ciência das sensações, "para
o autor o esteta não se ocupa das perfeições e imperfeições do
conhecimento sensível que se encontram encobertas e obscuras, porque
só pela atividade do entendimento elas podem ser reveladas e não
pela sensibilidade" (LIMA, 2006, p, 98). Ou seja, alguma obra
teatral poderá levar os indivíduos apenas para um
riso gratuito
(falsa consciência) e
não perceber o entendimento ou a compreensão das coisas, mas poderá
acontecer do riso ou a comédia trazer a tona uma imagem de
libertação por meio do entendimento gerado pela forma estética.
Comparada com o otimismo
frequentemente unidimensional da propaganda, a arte está impregnada
de pessimismo, não raro entremeado com a comédia. O seu riso
libertador lembra o perigo e a calamidade que passou desta vez! Mas,
o pessimismo da arte não é contra – revolucionário, Serve para
advertir contra a consciência feliz da práxis radical: como se tudo
o que a arte invoca e denuncia pudesse resolver – se através da
luta de classes (MARCUSE, 1977 p, 26).
O "entendimento " é fundamental para aprofundar o
pensamento Marcuseano, o filósofo aponta a necessidade da arte de
confrontar o universo estabelecido da ação e do discurso,
poderíamos também chamar em vias platônicas "o mundo sensível
precisa ser confrontado". Marcuse levanta inicialmente três
questões fundantes para sua compreensão estética a começar pela
forma estética, que significa um produto resultante de
uma experiência ou fato que foi transformado (fato histórico, social
ou pessoal) de forma autônoma, a obra foi extraída da experiência
objetiva e assume um outro significado, essas formas se apresentam em
poema, um espetáculo teatral, um romance) etc. Após a forma
estética é levanta a transformação estética
que acontece após um processo de maturação da experiência
objetiva por meio da obra, que
faz com que a linguagem possa
desenvolver um campo de percepções e compreensões na perspectiva
de revelarem a essência
das coisas que até então estava apenas no aparente. Assim,
Marcuse vai nos dizer: A obra de arte re–presenta assim a
realidade, ao mesmo tempo que a denuncia (MARCUSE,1977,
p, 21). A crítica que é proposta a partir do fenômeno
artístico assume sua função de negação e contribuição para a
luta de libertação inicialmente a partir da forma
estética.
Forma estética, autonomia e
verdade encontram–se interligadas. Constituem fenômenos
sócio–históricos, transcendendo cada um a arena sócio–histórica.
Embora esta última limite a autonomia da arte, fá–lo sem invalidar
as verdades trans–históricas expressas na obra. A verdade da arte
reside no seu poder de cindir o monopólio da realidade estabelecida
(i. ., dos que a estabeleceram) para definir o que é real. Nesta
ruptura, que é a realização da forma estética, o mundo fictício
da arte aparece como a verdadeira realidade ( MARCUSE, 1977, p, 22).
As obras de Brecht
referendadas por Marcuse apontam para várias imagens de rompimento
com o monopólio da realidade, cindir com outras formas estéticas,
no sentido de "recriar" outras formas de apresentar o
espetáculo, como é o caso do chamado estranhamento Brechtiniano11.
A ideia seria tirar o expectador de seu estado passivo. O rompimento
com as formas estéticas é no sentido da arte conseguir recriar
outras formas na própria arte, como foi o exemplo do surgimento dos
movimentos de arte de vanguarda que nasceram também da necessidade
de romper determinados padrões estéticos mantidos apenas em uma
ótica clássica da arte, que nasce com a arte grega, conserva–se
no período medieval até acontecer o rompimento destas formas com o
surgimento da mentalidade moderna da arte.
Mas este rompimento não
consiste em negar a arte clássica como um todo", negar a arte
clássica seria um absurdo, por isso Marcuse elogiava as obras
clássicas de Goeth elas tinham dentro de sua estrutura clássica
outras imagens de libertação como na obra Werther de 1774.
Brecht escreveu nos anos
trinta: Só existe um aliado contra o barbarismo crescente, são as
pessoas que sob ele sofrem. Só delas podemos esperar alguma coisa.
Por isso, o escritor deve virar – se para o povo. E é mais
necessário que nunca falar a sua linguagem (MARCUSE, 1977, p, 43).
A tese básica de que a arte
deve ser um fator de transformação do mundo pode facilmente
tornar–se no contrário, se a tensão entre a arte e a práxis
radical diminuir de modo a que a arte perca a sua própria dimensão
de transformação.(MARCUSE,1977, p, 45). Por isso que a dimensão
estética por meio de diversas formas estéticas traz consigo este
rompimento com a realidade, ou seja, a totalidade das relações
sociais, buscando a essência que está intrinsecamente ligada a esta
realidade, a essência também seria a percepção das leis que
determinam estas relações no complexo da causalidade social.
Conforme afirma Marcuse: O mundo significado na arte nunca é de modo
algum apenas o mundo concreto da realidade de todos os dias, mas
também não é um mundo de mera fantasia, ilusão, e assim por
diante (MARCUSE, 1977, p. 61).
O reavivamento da
consciência, criatividade, autonomia e negatividade que Marcuse
levantou a partir da dimensão estética no final do século XX
constitui–se no sentido de não decretar por definitivo a morte da
arte, em meio ao desenvolvimento do modo de produção capitalista
avançado, das relações materiais que avançam em rumo da barbárie.
É neste momento histórico que a arte ainda constrói a
transfiguração do que é introjetado como real.
Portanto o movimento
dialético da arte em meio a anti-arte e a não–arte, reluz como
caminho para a afirmação do espirito absoluto que ainda não está
perdido em meio as relações apenas materiais como pensavam os
estetas do marxismo ortodoxo.
Bibliografia
AGRA, Lúcio. História da arte do século XX: Idéias e
movimentos–São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.
FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: o itinerário de
Lukács–São Paulo: Expressão Popular 2013.
LIMA, Expedito, Passos. A estética entre saberes antigos e modernos
na Nuova scienza, de Giambatista Vico, editora EDUC/PUC/SP 2006.
MARCUSE, Herbert. The Aeshetic Dimension (Die Permanenz der Kunst),
Carl Hauser Verlag, Munique 1977, tradução: Maria Elisabete Costa,
capa edições 70.
______. Herbert, O homem unidimensional: estudos da ideologia da
sociedade insdustrial avançada, tradução de Robespierre de
Oliveira, Deborah Christina Antunes e Rafael Cordeiro Silva–São
Paulo: EDIPRO, 2015.
______. Herbert, Counter-Revolution and Revolt, traduzido da primeira
edição, publicada em 1972 por Beacon Pres, sob os auspícios da
Unitarian Universalist Association, Bosto, USA. Tradução ZAHAR
EDITORES.
______. Herbert, Eros an Civilization–A Philosophical Inquiry into
Freud, traduzido da nova edição, publicada em 1966, Beacon press,
de Boston EUA. Direitos para língua portuguesa ZAHAR EDITORES–RJ
1975.
RIZZO, Eraldo, Pêra. Ator e
estranhamento: Brecth e Stanislaviski, segundo Kusnet, 2ª ed,
editora Senac–SP, p.144.
SCHILLER, Frederich,v. A
educação estética do homem numa série de cartas, 4ª ed,
tradução: Roberto Schwarz e Márcio Suzuki, Iluminuras Ltda, 1989.
Notas de rodapé
1
Graduando – se em Filosofia (UECE); integrante do grupo de estudos
e pesquisas " Atualidade filosófica em Herbert Marcuse–GP
Marcuse/UECE.
2FREDERICO,
Celso., A arte no mundo dos homens o itinerário de Lukács ( São
Paulo: expressão popular, 2013, 1ª ed.), p, 27.
Em Hegel a arte possibilita através
da representação uma realidade diferente da experiência
cotidiana.
3Ver
também: SCHILLER, V. Frederich, A educação estética do homem
numa série de cartas, 4ª ed, tradução: Roberto Schwarz e Márcio
Suzuki, Iluminuras Ltda, 1989.
4MARCUSE,
Herbert, O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade
industrial avançada/ tradução de Robespierre de Oliveira, Déborah
Christina Antunes e Rafael CordeiroSilva. - São Paulo: EDIPRO,
2015.
5Assim
proponho interpretar unidimensional como conformidade ao pensamento
e comportamento existente e ausência de uma dimensão crítica e de
uma dimensão de potencialidades que se conformam a estruturas
preexistentes, normas e comportamentos, em constraste com o discurso
multidimensional, que focaliza possibilidades que transcedem o
estado de coisas estabelecido (KELNER, 1991, P.21).
6Sobre
a categoria "função negadora" citado em relação a
"arte" faz parte também da categoria "pensamento
negativo" citado por Marcuse, referindo – se a Hegel. "
Para Marcuse a experiência da arte aproxima–se do pensamento
dialético pela possibilidade que a arte tem de negar o status
quo rumo ao avanço qualitativo. O poder do pensar negativo é a
força motriz do pensamento dialético, utilizado como instrumento
para analisar o mundo dos fatos em termos de sua inadequação
interna (MARCUSE, 1960, p.5). Ver também: Prefácio da obra do
livro de Herbert Marcuse Reason and revolution – Hegel and the
rise of social theory – Boston: Beacon press, 1960 com o
título A note on dialetic – tradução: Prof. Dr. Alberto Dias
Gadanha.
7A
categoria reificação expressa o sentido de
que "tudo está no valor de troca (não há equivalentes),
inclusive o indivíduo", os indivíduos deixam de ser sujeitos.
Em vias marxistas é chamada de coisificação,
o indivíduo não pensa seu processo de trabalho e sua
potencialidade enquanto aquele que possue a força de trabalho, no
modo de produção capitalista o indivíduo é levado a ser apenas
objeto ou coisa.
8A
categoria ortodoxia
vai estar presente em grande parte das obras de Marcuse, ver também
a obra Contra revolução
e revolta (1972), p. 41. Ortodoxia
também está relacionada ao termo em alemão (Verdinglichung).
Ver esta categoria na mesma obra citada acima p.45.
9Para
Marcuse a mímese é a representação através do distanciamento, a
subversão da consciência. A experiência é intensificada até ao
ponto de ruptura; o mundo aparece do mesmo modo que a Lear e
António, a Berenice, a Michael Kohlhaas, a Woyzeck e aos amantes de
todos os tempos (MARCUSE, 1977, P.53).
10A
categoria forma estética poderá ser encontrada
também na obra Contra-revolução e revolta (1972), 3º
capítulo, §4, p. 83. Conceituada como: ...o total de qualidades
(harmonia, ritmo, contraste) que faz de uma obra de arte um todo em
si, com uma estrutura e uma ordem próprias (estilo) (p.83). Ver
também: MARCUSE, Herbert, Contra-revolução e revolta, Zahar
editores, 1973.
11O
conceito de estranhamento de Brecht aparece relacionado com
as concepções defendidas Marcuse. Em seu teatro épico o sentido
de " estranhamento" era para criar junto aos
espectadores a separação entre arte e vida real.
Vejamos também que Marcuse deixa tal questão explícita. O público
dos espetáculos de Brecht tendo essa consciência despertaria para
a possibilidade de transformar a própria realidade. Precisa–se
de um teatro que possa encorajar sentimentos e idéias que possam
fazer com que os indivíduos possa sair do invólucro do verdadeiro
e determinado. Ver também: RIZZO, Pêra, Eraldo. Ator e
estranhamento: Brecth e Stanislaviski, segundo Kusnet, 2ª ed,
editora Senac – SP, p.144.
Comentários
Postar um comentário