ARTIGO - A ESTÉTICA EM MARCUSE



UM PANORAMA INICIAL SOBRE DIMENSÃO ESTÉTICA EM MARCUSE E SUA CRÍTICA AOS ESTETAS DO MARXISMO ORTODOXO


Jair Soares de Sousa1

RESUMO

Para Marcuse a arte ou dimensão estética é um componente essencial para o processo revolucionário da consciência e do comportamento dos indivíduos. É o libertar do espírito absoluto em linguagem hegeliana. Neste sentido, a arte configura-se como a fantasia que faz com que o "aparente" possa revelar a essência das coisas. Essência aqui é compreendida não como um campo metafísico, e sim como desvelamento das questões incrustadas dentro de uma verdade do "establishment" na totalidade das relações, que não condiz com o real. Em bases dialéticas seria a arte em meio ás contradições internas e externas, apontando a contraposição com a representação da forma estética. Marcuse preocupado com as questões estéticas no século XX apresentadas pelos estetas do marxismo ortodoxo, fez sua reflexão em contraposição há algumas teses defendidas por estes estetas como: uma relação definida de arte limitada há uma classe social , o político e o estético fazendo parte da mesma esfera, não havendo distinção em relação aos escritores de literatura ou outro gênero, esses teriam de escrever especificamente para exprimir os interesses da classe em ascensão, no caso da relação com o modo de produção capitalista, escreveriam apenas para o proletariado. Em seu livro “A Dimensão Estética” (1977), vai apresentar sua defesa, afirmando que a "experiência da arte transcende as relações materiais". Considera que correntes literárias como o romantismo são fundamentais para o despertar de consciências e que a autonomia da arte (independência, liberdade) possui o imperativo categórico as "coisas tem de mudar" para além do realismo vigente dos estetas do marxismo ortodoxo. A partir destes pressupostos pretende–se com este trabalho apresentar uma visão inicial da relação do filósofo com a arte, expor a crítica marcuseana á estética marxista de cunho ortodoxo, explicitar um panorama sobre a dimensão estética e problematizar a importância da função crítica da arte e da subjetividade para a luta de libertação.
PALAVRAS - CHAVE: Estética, Arte, Ortodoxia, Subjetividade, Libertação
ABSTRACT

For Marcuse art or aesthetic dimension is an essential component of the revolutionary process of consciousness and behavior of individuals. It is the release of the absolute spirit in Hegelian language. In this sense, art is configured as the fantasy that makes the "apparent" to reveal the essence of things. Essence here is understood not as a metaphysical field, but as unveiling of embedded questions in a truth of "establishment" in the totality of relations, which is not consistent with reality. In dialectics bases would be the art through the internal and external contradictions, pointing out the contrast with the representation of aesthetic form. Marcuse worried about aesthetic issues in the twentieth century presented by the aesthetes of orthodox Marxism, made his reflection in contrast there are some theses for these aesthetes as a definite relationship of limited art there is a social class, the political and the aesthetic part of the same sphere, there is no distinction in relation to literature or other genre writers, these would have to write specifically to express the interests of the rising class, in the case of the relationship with the capitalist mode of production, would write only for the proletariat. In his book "The Aesthetic Dimension" (1977), will present his defense, saying that "art experience transcends the material relations". Considers that literary currents as romanticism are key to raising awareness and the autonomy of art (independence, freedom) has the categorical imperative "things must change" beyond the current realism of aesthetes of orthodox Marxism. From these assumptions it is intended with this work provide an initial view philosopher's relationship with art, expose critical Marcuse will aesthetic Marxist orthodox nature, explaining an overview of the aesthetic dimension and discuss the importance of the critical function of art and subjectivity to the liberation struggle.

Keywords: Aesthetics, Art, Orthodoxy, Subjectivity, Release


INTRODUÇÃO
Para Marcuse (1898–1979) a arte ou a dimensão estética é um componente essencial para o processo revolucionário quer da consciência, quer do comportamento dos indivíduos. Suas teses sobre questões estéticas estão presentes na maioria dos seus escritos, não por acaso, estuda o momento literário, artístico, filosófico e político do romantismo alemão, expões tanto a dimensão das obras do dramaturgo Schiller quanto a importância da dinâmica do sistema de Hegel, que compreende como espírito absoluto a experiência da arte, religião e da filosofia. A arte é para Hegel o primeiro momento de afirmação do espírito absoluto. Destaca–se aqui a influência do pensamento estético de Hegel como base do pensamento de Marcuse, a arte tem a função de possibilitar a consciência de si.

No difícil e obscuro sistema hegeliano, a arte é simultaneamente, uma manifestação que torna2 o espírito consciente de seus interesses e um modo através do qual o homem diferencia–e da natureza, situa–se em face de seu próprio ser, faz–se objeto de contemplação, exterioriza–se, desdobra–se, projeta–se, representa–se a sí próprio e, assim, toma consciência de si ( FREDERICO,2013, p.27).


Em 1925 como aluno da Universidade de Berlim, escreve sua primeira publicação a partir de uma revisão bibliográfica do dramaturgo e poeta alemão Frederich von Schiller3. As obras dramáticas, filosóficas e estéticas de Schiller segundo Marcuse, sempre foram marcadas pela defesa da liberdade, tema este indissociável de seu pensamento. Uma segunda observação é que Schiller produziu obras que ressaltavam a rebeldia social e política de seus personagens, dramaturgia esta que retratava a saga de heróis que faziam oposição ás sociedades vigentes, corruptas e corruptoras dos valores humanos e dos ideais como a fraternidade e a esperança.
Importante frisar que "arte e estética" para Marcuse estão intrinsecamente interligadas, vai interessar-se particularmente pela literatura de origem alemã sem deixar de referendar outras correntes que trataram sobre as artes como é o caso das vanguardas russas e francesas.


A tese de doutoramento de Marcuse intitulada: Der Deutsche Kunstlerroman (O romance do artista alemão) é a segunda experiência sistemática sobre a arte que Marcuse sobre a qual ocupar–se-á. Nesta tese, separa a experiência da arte e do artista da vida cotidiana, para Marcuse a experiência do artista não é a mesma dos homens que o cercam. Outra obra em que a estética vai se fazer presente é no clássico Eros e Civilização(1955). No capítulo nove refere-se a dimensão estética. Neste capítulo apresenta as seguintes teses: a estética como ciência da sensualidade, reconciliação entre prazer e liberdade, instinto e moralidade, as teorias estéticas de Baumgartem, Kant e Schiller, elementos de uma cultura não repressiva e por fim transformação do trabalho como atividade lúdica. Na obra O homem unidimensional: A ideologia da sociedade industrial avançada (1964)4, a arte é exposta como contraposição á sociedade e ao pensamento unidimensional5. No livro Contra–Revolução e revolta (1972), com o texto "Arte e revolução", fala necessidade de uma linguagem que possa transcender a experiência ordinária da arte e do mundo, a negação de uma experiência que faz com que os indivíduos percebam o existente como verdadeiro.

A comunicação dos novos objetivos históricos, radicalmente não conformistas, da revolução exige uma linguagem igualmente não–conformista (na mais lata acepção), uma linguagem que atinja uma população que introjetou as necessidades e valores dos seus amos e gerentes e os tornou seus, assim reproduzindo o sistema estabelecido em seus espíritos, suas consciências, seus sentidos e instintos (MARCUSE, 1972, p, 81).

Por fim escreve o ensaio intitulado A dimensão estética (1977) na perspectiva inicial de contribuir com a estética marxista. O motivo de escrever sobre as questões estéticas nessa obra foi a crítica á uma compreensão vulgar do pensamento marxista em relação ás questões estéticas levantadas pelos estetas marxismo ortodoxo. O filósofo "não nomeia" especificamente na obra esses estetas, todavia é possível levantar com certa precisão uma base da "estética ortodoxa" centrada no marxismo–leninista–maoista, que tem como movimento artístico o realismo.

1. Um panorama inicial sobre a dimensão estética em Marcuse
Para Marcuse é clara a "aproximação" da arte no contexto das relações sociais, a arte é a forma criativa da consciência dentro de um percurso histórico da vida e da sensibilidade dos indivíduos. Entretanto, a experiência da arte não é intrinsecamente ligada a vida cotidiana, pois o mundo da arte e do artista seria um outro mundo. Fantasia, subjetividade e criatividade não são constituintes desta experiência, a própria sociedade identifica o artista e a arte como tipos sociais distintos. A arte não pode abolir a divisão social do trabalho que conduz seu caráter esotérico, mas também não se pode popularizar sem atenuar o seu impacto emancipatório (MARCUSE, 1977,p, 32). Entretanto, "limitar a arte apenas as questões de "base superestrutura" seria um tanto perigoso, tal proposição estaria negligenciando o próprio pensamento de Marx, partindo do pressuposto que Marx não nega a "consciência", exposta no pensamento hegeliano. Partindo para a compreensão da estética marxista ortodoxa, esta interpretou o pensamento de Marx como se a "arte" findasse na objetivação(aparente e existente), esta afirmação é perigosa a partir da defesa de que "tudo aquilo que é criado externamente ao ser, existe independentemente a ele", como um quadro, uma música ou o próprio trabalho.

A subjetividade então negada pelos estetas do marxismo ortodoxo é o "oposto", isto é, tudo que diz respeito ao ser no campo individual. Neste seguimento, há de se considerar que os indivíduos possuem sentimentos, percepções e ideias. São responsáveis pela criação e ao mesmo tempo negação através da arte, do que está no mundo (ser outro). A busca por uma outra imagem de libertação, isto é, o dever ser. Para os estetas do marxismo ortodoxo essa compreensão levantada por Marx ficou como uma estrutura limitada, enrijecida apenas no contexto das relações sociais materiais existentes. Para Marcuse a virtude das formas estéticas são autônomas em relação aos processos de relações sociais existentes, pelo fato da arte contestar e transcender estas relações. Não há como negar a experiência transcendente da arte, a sua irracionalidade racional, a fantasia e a representação que não se comportam nas relações dos indivíduos na esfera política.
Limitar a experiência e a função "negadora" da arte junto a esfera das relações de produção e de posição de classe seria destruir a própria consciência e a subjetividade criativa dos indivíduos6. A universalidade da arte não pode radicar no mundo e na imagem do mundo de uma determinada classe (MARCUSE, 1977,P.28). É com a possibilidade da liberdade ideal dada pela arte e o artista, que através de sua manifestação consegue escapar de uma realidade opressora e consegue "romper ou não", com automatismos e subjugações do fazer, alcançando assim a ativa condição de sujeito pensante produtor sí.

A separação da arte do processo da produção material deu–lhe a possibilidade de desmistificar a realidade reproduzida neste processo. A arte desafia o monopólio da realidade estabelecida em determinar o que é real e fa–lo criando um mundo fictício que, no entanto é mais real que a própria realidade (MARCUSE, 1977, p, 33).

A arte seria transcendente se ela não participar da "estrutura política", ou seja, a arte por sí, constitui–se como esfera transcendente. A partir do momento em que relacionam a arte em uma "estrutura política", ela passa a não fazer sua recusa, pois na base política ela findaria apenas como um aparato dentro das estruturas dominantes do status quo. Como foi utilizada nas campanhas publicitárias e comunicacionais do Nazifascismo. Sendo utilizada dentro de uma ótica da razão instrumental, alicerçada na estrutura política do estado como forma de dominação dos indivíduos e não como libertação. Não obstante, a arte e sua dimensão estética possuem suas possibilidades para um avanço qualitativo do ser humano. No centro desta discussão, está a ideia de uma arte autônoma em confronto com a indústria de arte capitalista, por um lado, e a parte da propaganda radical, por outro (MARCUSE, 1977, p. 81). Contudo a arte para além das experienciais e relações sociais limitadas, ela enquanto tal, é produto da subjetividade, da criatividade e da transcendência, portanto, limitar a experiência da arte a base material, como fizeram os estetas do marxismo ortodoxo seria destruir as possibilidades da transformação com o elemento da arte.


Numa situação em que a infeliz realidade só pode modificar–se através da práxis política radical, a preocupação com a estética exige uma justificação. Seria inútil negar o elemento de desespero inerente a esta preocupação: a evasão para um mundo de ficção onde as condições existentes só se alteram e se suplantam no mundo da imaginação (MARCUSE, 1977, p.15).

Marcuse defende na dimensão estética, a revitalização da arte enquanto subversão da percepção dos indivíduos em meio a realidade estabelecida. O mundo concreto das relações sociais, conduzido por meio de uma razão instrumental alicerçada no desenvolvimento das sociedades industriais avançadas, regem a vida social, fazendo com que os indivíduos, inclusive os intelectuais permaneçam obedecendo a batuta desta regência. Esta é uma das questões que levam Marcuse á preocupar-se com a defesa das questão das faculdades mentais. Por isso eleva a arte como componente essencial para pensar negativamente, a arte enquanto negadora de um mundo que contradiz a si mesmo, e que ao mesmo tempo que se contradiz, é nele, que se construirá as possibilidades com a arte. É na forma estética que é possível surgir a oposição a realidade estabelecida, através da catarse reconciliadora da arte.

2. A Crítica de Marcuse aos estetas do marxismo ortodoxo
A categoria "ortodoxia" é por deveras levantada na crítica Marcuseana, para este, a ortodoxia não contribuiria para o avanço dos processos qualitativos e humanitários em meio as contradições do mundo. Expõe que a ortodoxia dos estetas marxistas deixaria o homem cair na própria "reificação" que foi tão combatida pelo materialismo histórico dialético. Ou seja, tornar ou reduzir os indivíduos há objetos ou coisas7. Em Marx é a própria coisificação do homem.

A reificação da estética marxista deprecia e distorce a verdade expressa neste universo minimiza a função cognitiva da arte como ideologia. Pois o potencial radical da arte reside precisamente no seu caráter ideológico, na sua relação transcendente com a base. A ideologia nem sempre é ideologia falsa consciência (MARCUSE, § 21, p, 25).

Com esta definição de ortodoxia em relação á arte, não há pensamento negativo nas relações objetivas, apenas aceitação do status quo. Uma paralisia da crítica, uma sociedade sem oposição, seguindo a aparente forma estética dominante, alicerçada na base superestrutura (estrutura econômica da sociedade, o conjunto das relações de produção de uma determinada sociedade)8. Assim esta ortodoxia compreendia a arte dentro do invólucro das relações materiais de produção, destruindo assim, o potencial da criatividade e da subjetividade humana. Por ortodoxia compreendo a interpretação da qualidade e verdade de uma obra de arte em termos da totalidade das relações de produção existentes (MARCUSE,1977,p.11). Neste seguimento, é evidente a limitação da arte apenas como um aparato dentro das relações de produção, verifica–se com esta reflexão um problema central para Marcuse, partindo do pressuposto que nesta perspectiva a arte estaria atrelada a uma função política, percebe–se que o termo "função e potencial política" precisar ser revisto.

Marcuse expõe que a experiência da arte "por sí" ou na "forma estética" conduz um potencial político. O potencial político é a capacidade negadora que arte tem de transcender a experiência do verdadeiro com o fictício, confrontar a realidade com a fantasia ou com a mimeses (distanciamento/imitação) para que possar aparecer uma outra imagem para além do que é aceito como verdadeiro9. Pois o "verdadeiro" é compreendido como "o que está ai", mas não é ainda efetividade. O que "está" possuem contradições que precisam ser evidenciadas com a arte através da estética. Para que a partir deste movimento possa surgir por meio da consciência uma outra imagem. A imagem de libertação.

A arte tem a sua própria linguagem e ilumina a realidade através desta outra linguagem. Além disso, a arte tem a sua própria dimensão de afirmação e negação, uma dimensão que não se pode coordenar com o processo social de produção (MARCUSE, § 2, p. 33).


Para tanto é necessário perceber o que nos diz Marcuse sobre as teses da estética marxista ortodoxa, partindo primeiramente da mera compreensão da arte alicerçada na base material, vinculada a totalidade das relações de produção. Esses estetas concebem a arte da seguinte forma : 1 – a arte possuem uma relação definida com a classe social , 2 - o político e o estético fazem parte da mesma esfera não havendo distinção, em relação aos escritores de literatura ou outro gênero, teriam de escrever especificamente para exprimir os interesses da classe em ascensão, 4 - no caso do modo de produção capitalista, escreveria apenas em prol do proletariado. No cerne da literatura apenas o realismo seria mais conveniente com as relações sociais, sendo a forma de arte correta para os estetas.

Em contraste com as formulações mais dialéticas de Marx e Engels, a concepção tornou–se um esquema rígido, uma esquematização que teve consequências devastadoras para a estética. O esquema implica uma noção normativa da base material como a verdadeira realidade e uma desvalorização política de forças não materiais, particularmente da consciência individual (MARCUSE, 1977 p.16-17).

A proposição nos leva a perceber que a arte ou a sua dimensão estética estava condenada a uma base ideológica do materialismo histórico vulgar, deixando o movimento da consciência e da subjetividade como se fossem contingentes, neste caso, se o materialismo não é capaz de revitalizar a subjetividade, cairia em uma tese vulgar do materialismo histórico e dialético. A reivindicação de Marcuse contra este ortodoxismo consiste em não deixar morrer o pensamento negativo e a subjetividade criadora em meio ao mundo simplista das relações sociais. Os indivíduos precisam sair da experiência real rumo a invalidação do que está posto. Neste sentido é na experiência da arte e na sua forma estética que é levantada essa possibilidade de confrontar a realidade com a verdade sobre a realidade10.

A subjetividade dos indivíduos, a sua própria consciência e inconsciência tendem a ser dissolvidos na consciência de classe. Assim é minimizado um importante pré – requisito da revolução, nomeadamente, o fato de que a necessidade de mudança radical se deve basear na subjetividade dos próprios indivíduos, na sua inteligência e as suas paixões, nos seus impulsos e nos seus objetivos ( MARCUSE, 1977, p. 17).



3. O conceito de dimensão estética em Marcuse: A função crítica e subjetiva da arte para a luta de libertação
A distinção entre arte e ação política é uma questão central para Marcuse, cada perspectiva possuem a sua particularidade. A qualidade estética e a tendência política estão inerentemente relacionadas, mas a sua unidade não é imediata (MARCUSE, 1977, p. 60). A arte e o artísta têm sua contribuição com a arte. Lembramos aqui o motivo pelo qual Hegel também divide o seu sistema de ciências, apontando o papel de cada categoria, temos a arte, religião e a filosofia. O artista em relação a ação política não participa como artista, pois a arte transcende as relações materiais e políticas, mesmo sabendo que ela enquanto tal, possuem o seu potencial político, "unicamente como arte", em sua forma estética e na fantasia, mas "nunca uma mera fantasia ou ilusão". Veremos o sentido pelo qual Marcuse deixa claro a distinção entre arte ou estética e ação política. Como mundo fictício, como ilusão (Schein), contém mais verdade que a realidade de todos os dias. Pois esta ultima é mistificada nas suas instituições e relações, que fazem da necessidade uma escolha e da alienação uma auto – realização (MARCUSE, 1977, p. 61).

A expressão estética de origem grega (aisthésis) é a compreensão das percepções, sensações e sensibilidades, apresentadas, representadas ou produzidas pelos indivíduos. Em vias Baumgartenianas a estética é a ciência das sensações, "para o autor o esteta não se ocupa das perfeições e imperfeições do conhecimento sensível que se encontram encobertas e obscuras, porque só pela atividade do entendimento elas podem ser reveladas e não pela sensibilidade" (LIMA, 2006, p, 98). Ou seja, alguma obra teatral poderá levar os indivíduos apenas para um riso gratuito (falsa consciência) e não perceber o entendimento ou a compreensão das coisas, mas poderá acontecer do riso ou a comédia trazer a tona uma imagem de libertação por meio do entendimento gerado pela forma estética.

Comparada com o otimismo frequentemente unidimensional da propaganda, a arte está impregnada de pessimismo, não raro entremeado com a comédia. O seu riso libertador lembra o perigo e a calamidade que passou desta vez! Mas, o pessimismo da arte não é contra – revolucionário, Serve para advertir contra a consciência feliz da práxis radical: como se tudo o que a arte invoca e denuncia pudesse resolver – se através da luta de classes (MARCUSE, 1977 p, 26).


O "entendimento " é fundamental para aprofundar o pensamento Marcuseano, o filósofo aponta a necessidade da arte de confrontar o universo estabelecido da ação e do discurso, poderíamos também chamar em vias platônicas "o mundo sensível precisa ser confrontado". Marcuse levanta inicialmente três questões fundantes para sua compreensão estética a começar pela forma estética, que significa um produto resultante de uma experiência ou fato que foi transformado (fato histórico, social ou pessoal) de forma autônoma, a obra foi extraída da experiência objetiva e assume um outro significado, essas formas se apresentam em poema, um espetáculo teatral, um romance) etc. Após a forma estética é levanta a transformação estética que acontece após um processo de maturação da experiência objetiva por meio da obra, que faz com que a linguagem possa desenvolver um campo de percepções e compreensões na perspectiva de revelarem a essência das coisas que até então estava apenas no aparente. Assim, Marcuse vai nos dizer: A obra de arte re–presenta assim a realidade, ao mesmo tempo que a denuncia (MARCUSE,1977, p, 21). A crítica que é proposta a partir do fenômeno artístico assume sua função de negação e contribuição para a luta de libertação inicialmente a partir da forma estética.

Forma estética, autonomia e verdade encontram–se interligadas. Constituem fenômenos sócio–históricos, transcendendo cada um a arena sócio–histórica. Embora esta última limite a autonomia da arte, fá–lo sem invalidar as verdades trans–históricas expressas na obra. A verdade da arte reside no seu poder de cindir o monopólio da realidade estabelecida (i. ., dos que a estabeleceram) para definir o que é real. Nesta ruptura, que é a realização da forma estética, o mundo fictício da arte aparece como a verdadeira realidade ( MARCUSE, 1977, p, 22).


As obras de Brecht referendadas por Marcuse apontam para várias imagens de rompimento com o monopólio da realidade, cindir com outras formas estéticas, no sentido de "recriar" outras formas de apresentar o espetáculo, como é o caso do chamado estranhamento Brechtiniano11. A ideia seria tirar o expectador de seu estado passivo. O rompimento com as formas estéticas é no sentido da arte conseguir recriar outras formas na própria arte, como foi o exemplo do surgimento dos movimentos de arte de vanguarda que nasceram também da necessidade de romper determinados padrões estéticos mantidos apenas em uma ótica clássica da arte, que nasce com a arte grega, conserva–se no período medieval até acontecer o rompimento destas formas com o surgimento da mentalidade moderna da arte.
Mas este rompimento não consiste em negar a arte clássica como um todo", negar a arte clássica seria um absurdo, por isso Marcuse elogiava as obras clássicas de Goeth elas tinham dentro de sua estrutura clássica outras imagens de libertação como na obra Werther de 1774.

Brecht escreveu nos anos trinta: Só existe um aliado contra o barbarismo crescente, são as pessoas que sob ele sofrem. Só delas podemos esperar alguma coisa. Por isso, o escritor deve virar – se para o povo. E é mais necessário que nunca falar a sua linguagem (MARCUSE, 1977, p, 43).

A tese básica de que a arte deve ser um fator de transformação do mundo pode facilmente tornar–se no contrário, se a tensão entre a arte e a práxis radical diminuir de modo a que a arte perca a sua própria dimensão de transformação.(MARCUSE,1977, p, 45). Por isso que a dimensão estética por meio de diversas formas estéticas traz consigo este rompimento com a realidade, ou seja, a totalidade das relações sociais, buscando a essência que está intrinsecamente ligada a esta realidade, a essência também seria a percepção das leis que determinam estas relações no complexo da causalidade social. Conforme afirma Marcuse: O mundo significado na arte nunca é de modo algum apenas o mundo concreto da realidade de todos os dias, mas também não é um mundo de mera fantasia, ilusão, e assim por diante (MARCUSE, 1977, p. 61).

O reavivamento da consciência, criatividade, autonomia e negatividade que Marcuse levantou a partir da dimensão estética no final do século XX constitui–se no sentido de não decretar por definitivo a morte da arte, em meio ao desenvolvimento do modo de produção capitalista avançado, das relações materiais que avançam em rumo da barbárie. É neste momento histórico que a arte ainda constrói a transfiguração do que é introjetado como real.
Portanto o movimento dialético da arte em meio a anti-arte e a não–arte, reluz como caminho para a afirmação do espirito absoluto que ainda não está perdido em meio as relações apenas materiais como pensavam os estetas do marxismo ortodoxo.

Bibliografia
AGRA, Lúcio. História da arte do século XX: Idéias e movimentos–São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.

FREDERICO, Celso. A arte no mundo dos homens: o itinerário de Lukács–São Paulo: Expressão Popular 2013.

LIMA, Expedito, Passos. A estética entre saberes antigos e modernos na Nuova scienza, de Giambatista Vico, editora EDUC/PUC/SP 2006.

MARCUSE, Herbert. The Aeshetic Dimension (Die Permanenz der Kunst), Carl Hauser Verlag, Munique 1977, tradução: Maria Elisabete Costa, capa edições 70.

______. Herbert, O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade insdustrial avançada, tradução de Robespierre de Oliveira, Deborah Christina Antunes e Rafael Cordeiro Silva–São Paulo: EDIPRO, 2015.

______. Herbert, Counter-Revolution and Revolt, traduzido da primeira edição, publicada em 1972 por Beacon Pres, sob os auspícios da Unitarian Universalist Association, Bosto, USA. Tradução ZAHAR EDITORES.

______. Herbert, Eros an Civilization–A Philosophical Inquiry into Freud, traduzido da nova edição, publicada em 1966, Beacon press, de Boston EUA. Direitos para língua portuguesa ZAHAR EDITORES–RJ 1975.

RIZZO, Eraldo, Pêra. Ator e estranhamento: Brecth e Stanislaviski, segundo Kusnet, 2ª ed, editora Senac–SP, p.144.

SCHILLER, Frederich,v. A educação estética do homem numa série de cartas, 4ª ed, tradução: Roberto Schwarz e Márcio Suzuki, Iluminuras Ltda, 1989.

Notas de rodapé

1 Graduando – se em Filosofia (UECE); integrante do grupo de estudos e pesquisas " Atualidade filosófica em Herbert Marcuse–GP Marcuse/UECE.

2FREDERICO, Celso., A arte no mundo dos homens o itinerário de Lukács ( São Paulo: expressão popular, 2013, 1ª ed.), p, 27.
Em Hegel a arte possibilita através da representação uma realidade diferente da experiência cotidiana.

3Ver também: SCHILLER, V. Frederich, A educação estética do homem numa série de cartas, 4ª ed, tradução: Roberto Schwarz e Márcio Suzuki, Iluminuras Ltda, 1989.

4MARCUSE, Herbert, O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade industrial avançada/ tradução de Robespierre de Oliveira, Déborah Christina Antunes e Rafael CordeiroSilva. - São Paulo: EDIPRO, 2015.

5Assim proponho interpretar unidimensional como conformidade ao pensamento e comportamento existente e ausência de uma dimensão crítica e de uma dimensão de potencialidades que se conformam a estruturas preexistentes, normas e comportamentos, em constraste com o discurso multidimensional, que focaliza possibilidades que transcedem o estado de coisas estabelecido (KELNER, 1991, P.21).

6Sobre a categoria "função negadora" citado em relação a "arte" faz parte também da categoria "pensamento negativo" citado por Marcuse, referindo – se a Hegel. " Para Marcuse a experiência da arte aproxima–se do pensamento dialético pela possibilidade que a arte tem de negar o status quo rumo ao avanço qualitativo. O poder do pensar negativo é a força motriz do pensamento dialético, utilizado como instrumento para analisar o mundo dos fatos em termos de sua inadequação interna (MARCUSE, 1960, p.5). Ver também: Prefácio da obra do livro de Herbert Marcuse Reason and revolution – Hegel and the rise of social theory – Boston: Beacon press, 1960 com o título A note on dialetic – tradução: Prof. Dr. Alberto Dias Gadanha.

7A categoria reificação expressa o sentido de que "tudo está no valor de troca (não há equivalentes), inclusive o indivíduo", os indivíduos deixam de ser sujeitos. Em vias marxistas é chamada de coisificação, o indivíduo não pensa seu processo de trabalho e sua potencialidade enquanto aquele que possue a força de trabalho, no modo de produção capitalista o indivíduo é levado a ser apenas objeto ou coisa.

8A categoria ortodoxia vai estar presente em grande parte das obras de Marcuse, ver também a obra Contra revolução e revolta (1972), p. 41. Ortodoxia também está relacionada ao termo em alemão (Verdinglichung). Ver esta categoria na mesma obra citada acima p.45.

9Para Marcuse a mímese é a representação através do distanciamento, a subversão da consciência. A experiência é intensificada até ao ponto de ruptura; o mundo aparece do mesmo modo que a Lear e António, a Berenice, a Michael Kohlhaas, a Woyzeck e aos amantes de todos os tempos (MARCUSE, 1977, P.53).

10A categoria forma estética poderá ser encontrada também na obra Contra-revolução e revolta (1972), 3º capítulo, §4, p. 83. Conceituada como: ...o total de qualidades (harmonia, ritmo, contraste) que faz de uma obra de arte um todo em si, com uma estrutura e uma ordem próprias (estilo) (p.83). Ver também: MARCUSE, Herbert, Contra-revolução e revolta, Zahar editores, 1973.


11O conceito de estranhamento de Brecht aparece relacionado com as concepções defendidas Marcuse. Em seu teatro épico o sentido de " estranhamento" era para criar junto aos espectadores a separação entre arte e vida real. Vejamos também que Marcuse deixa tal questão explícita. O público dos espetáculos de Brecht tendo essa consciência despertaria para a possibilidade de transformar a própria realidade. Precisa–se de um teatro que possa encorajar sentimentos e idéias que possam fazer com que os indivíduos possa sair do invólucro do verdadeiro e determinado. Ver também: RIZZO, Pêra, Eraldo. Ator e estranhamento: Brecth e Stanislaviski, segundo Kusnet, 2ª ed, editora Senac – SP, p.144.

Comentários