A.
O
CONCEITO DE DEUS EM SPINOZA A LUZ DA ORDEM GEOMÉTRICA
A
categoria DEUS em Spinoza (1632-1677) “foi e vem” sendo desenvolvida por
estudiosos seja de filosofia ou de outras áreas do conhecimento há séculos.
Talvez, mesmo com diversas pesquisas, traduções e teses, não se tenha dissecado
com certa precisão o que pensou e escreveu o autor, sobre esta questão tão
importante e atual para o conhecimento humano.
Todavia,
o objetivo central deste resumo não consiste em aprofundar a categoria DEUS no
pensamento de Spinoza. Este fim, levaria um tempo árduo seguido de uma
dedicação específica. Neste sentido, a proposta deste resumo é apresentar
apenas um panorama inicial sobre o que desenvolveu Spinoza sobre a categoria
DEUS e procurar fazer um contraponto sobre a conceituação da categoria IMAGINAÇÃO.
A partir destes pressupostos busco refletir sobre a distinção entre essas duas
categorias, buscando entender o que difere tais concepções.
Quando
falamos em Deus a partir do pensamento racionalista de Spinoza, abrimos um
parêntese para perceber que esta noção é totalmente contrária as concepções
clássicas existentes sobre Deus, dentro da história da humanidade. O Deus de
Spinoza é explicado de outra forma pois é baseado no entendimento, seguindo uma
ordem geométrica de exposição (lógica proposicional). Neste sentido, Deus não é
demonstrado de acordo com as determinações do cristianismo, judaísmo, nem outro
tipo de estudo clássico ou religião. Muito menos de acordo com a concepção de
Deus do catolicismo ou protestantismo. O Deus de Spinoza é imanente, ou seja, ele é produtor de si e está em tudo como infinidade.
Spinoza
demonstra a prova da existência de Deus, da mesma forma como não existem
dúvidas de que um triângulo só poderá ser concebido como tal e um círculo como
círculo. “Ou seja, não há razão nem causa” para negar a existência de Deus,
pois para Spinoza, Deus existe necessariamente, como causa de si. Esta
explicação é demonstrada por Spinoza a partir da proposição XI da ética. Agora
é importante destacar que a existência do círculo e do triângulo são os mesmos,
apenas pela sua natureza corpórea. Diferente de Deus que a existência é
demonstrada a partir de sua natureza, como causa de si e produtor de tudo o que
há.
Demonstração
alternativa. Para cada coisa deve-se indicar a causa ou a razão pela qual ela
existe ou não existe. Por exemplo, se um triângulo existe, deve-se dar a causa
ou a razão pela qual ele existe; se, por outro lado, ele não existe, deve-se
dar a razão ou causa que impede que ele exista, ou seja, que suprima a sua
existência. Ora, essa razão ou causa deve estar contida na natureza da coisa
ou, então fora dela. Por exemplo, a própria natureza do círculo indica a razão
indica a razão pela qual não existe um círculo quadrado, pois evidentemente
admiti-lo envolve uma contradição. Por sua vez, o que faz com que uma
substância exista também se segue exclusivamente de sua própria natureza,
porque esta última envolve, é óbvio, a existência (veja-se a prop.7). Mas a
razão pela qual um círculo – ou um triângulo – existe ou não existe não se
segue da sua própria natureza, mas da ordem da natureza corpórea como um todo (prop.
XI, §2).
A
categoria DEUS está presente no Breve
Tratado: De Deus, do homem e do seu bem-estar (1660) que de acordo com a Obras completas II (2014), organizada
por J. Guinsburg, Newton Cunha e Roberto Romano, possui uma relação importante
com o momento de excomunhão (Herem)
de Spinoza em (1655). O filósofo foi acusado de heresia e desprezo
pelo torá. A partir desses pressupostos é possível perceber que Spinoza já
levantava certa crítica sobre a religião e principalmente sobre o que era
concebido como Deus pelos homens dentro das diversas tradições. É percebível
que Spinoza preocupava-se com as calúnias e mentiras que eram proferidas pelos
homens de sua época que tinham o interesse de manipular e dominar uns aos
outros.
De
acordo com os escritos contidos em sua obra “ Ethica” finalizada em (1775), onde Spinoza vai dividi-la em cinco
partes distintas, logo na primeira parte, é demonstrado como o filósofo concebeu
a categoria Deus. A palavra principal para definir Deus é a categoria
“substância”. Deus é substância ou natureza naturada. Ao falar de Deus, Spinoza
vai definir como aquele que produz tudo o que há, inclusive ele mesmo. Deus é
substância, essência e existência, razão, potência e intelecto. Diferentemente
das concepções imaginativas de Deus, defendidas pelos homens de sua época.
Deus é a causa de si ou causa sui. Para Spinoza Deus
não é causado por outra substância.
Pois só poderá existir uma única substância. Spinoza define a categoria “causa”
na definição 1 de sua ética. Segundo SPINOZA (1677) “ Por causa de si
compreendo aquilo que envolve a existência, ou seja, aquilo cuja a natureza não
pode ser concebida senão como existente”
Em Deus há ausência de constrangimento, neste
sentido ele produz a si mesmo. Outro ponto a ser destacado é que quando Spinoza
está falando que Deus produz tudo o que há, está referindo-se ao: pensamento,
extensão, substância, o homem, natureza etc.
Poderemos
comprovar a concepção inicial de Deus em Spinoza a partir da definição 6,
expressa em sua ética. De acordo com Spinoza (1677) “ Por Deus compreendo um
ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de infinitos
atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita”.
Dando
seguimento, encontramos precisamente a demonstrações sobre a categoria citada a
partir da proposição XI na qual afirma que: “Deus, ou seja, uma substância que
consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e
infinita, existe necessariamente” (pp. 11, p. 25). Pelo escólio da proposição
XI é comprovada a certeza que Spinoza demonstra.
Escólio.
Quis nessa última demonstração, para que fosse mais facilmente compreendida,
provar a existência de Deus a posteriori;
mas não que sua existência não se siga a
priori desse mesmo fundamento. Pois, se pode existir é potência, segue-se
que, quanto mais realidade a natureza de uma coisa possuir, tanto mais ela terá
forças para existir por si mesma. Portanto, um ente absolutamente infinito, ou
seja, Deus, tem, por si mesmo uma potência absolutamente infinita de existir e,
por isso existe de forma absoluta (escólio da prop. XI, §4).
B.
A
CONCEPÇÃO IMAGINATIVA DE DEUS CRITICADA POR SPINOZA.
O
problema da imaginação em Spinoza é explicado seguindo o pressuposto de que as
coisas que são CONTIGENTES e não NECESSÁRIAS, como Deus, não possuem condições
de assumirem a verdade.
Algo contingente, ou seja, O que pode “SER e
NÃO SER, ” não assume a ordem da razão e da verdade. Neste sentido, para
Spinoza a IMAGINAÇÃO dos homens pertence a ordem do contingente e Deus como
causa Sui é imanente de tudo e produtor nele mesmo, assim, segue-se que Deus é
NECESSÁRIO.
A
crítica de Spinoza é destinada a tradição filosófica e teológica que na
concepção do filósofo, deixa a desejar por não buscarem conhecer racionalmente
as causas e razões pelas quais as coisas existem. Podemos perceber a crítica de
Spinoza a partir do escólio 2 da proposição VIII de sua ética que afirma que
toda substância é necessariamente infinita, ou seja, Deus.
Não
tenho dúvida de que todos os que julgam as coisas confusamente e não se
habituaram a conhecê-las por suas causas primeiras terão dificuldade em
compreender a demonstração da proposição. VII, o que ocorre por não fazerem
qualquer distinção entre as modificações das substâncias e as próprias
substâncias e por não saberem como as coisas são produzidas. Atribuem, assim,
às substâncias a mesma origem que observam nas coisas naturais. Aqueles pois,
que ignoram as verdadeiras causas das coisas, confundem tudo e, sem qualquer
escrúpulo, inventam que as árvores, tal como os homens, também falam; que os
homens provêm também das pedras e não apenas do sêmen; e que qualquer forma
pode se transformar em qualquer outra. Igualmente aqueles que confundem a
natureza divina com a humana, facilmente atribuem a Deus afetos humanos,
sobretudo à medida que também ignoram de que maneira os afetos são produzidos
na mente (escólio II, § 3).
A
imaginação dos homens para Spinoza reforça a dúvida sobre a substância, isso
quer dizer que os homens criam Deus na sua imaginação. Spinoza contrariamente
por meio de ideias claras e distintas, atesta a existência de Deus, deixando
claro que Deus enquanto substância constituída de infinitos atributos, jamais
poderá ser imaginado ou criado pelos homens, isso seria um absurdo. A
explicação racional é que Deus é cause de si e não causa dos homens. Pelo
escólio da proposição XV podemos tirar essa conclusão. Segundo SPINOZA (1677)
Há aqueles que inventam que Deus, à semelhança do homem, e constituído de corpo
e mente, e que está sujeito a paixões. Mas fica bastante evidente, pelo que já
foi demonstrado, o quanto se desviam do verdadeiro conhecimento de Deus.
Conclusões
Destacamos
que existe uma relação distinta entre entendimento e imaginação para Spinoza. O
filósofo apresenta dentro de uma ordem geométrica as razões e causas para
definir a existência de Deus, destacando que Deus enquanto substância, existe
por si, sem a interferência de nenhuma força externa a ele próprio. Neste
sentido, o Deus concebido por Spinoza é aquele constituído de infinitos
atributos e que ele é razão e causa de sua própria existência.
Em
vias gerais Deus é o próprio cosmos. Contrastando com o entendimento racional
de Spinoza a imaginação fica em
segundo plano. É importante frisar que Spinoza não está negando totalmente a
ordem da imaginação. Para Spinoza, a imaginação não consegue dar conta da
verdade. Ela faz parte do homem, porém é cheia de limitações. Na imaginação não
é possível construir ideias claras e distintas, isso ocorre que a mesma, não é
suficiente para chegar ao entendimento ontológico de Deus. As imaginações fazem
os homens mentir para si mesmos. Outro ponto a ser destacado é que até o
momento de Spinoza a categoria Deus, sempre foi utilizada de forma irracional a
partir de devaneios ou de explicações que não estavam seguindo uma ordem do
entendimento. Spinoza constatou a forma na qual os homens utilizavam o
entendimento sobre Deus para enganar os diversos povos.
Por
fim, conclui-se com esta exposição que a proposta racional de Spinoza sobre
Deus, provocou diversas divergências ao longo dos séculos. O debate sobre Deus
é atualíssimo pois a razão histórica, dotada de contradições, continua com as
mesmas estruturas enganadoras de poder, utilizando a categoria Deus como forma
de dominação dos homens. O que Spinoza faz é uma busca pela ideia racional no
sentido de alertar os homens sobre as imposições e dominações ditadas pelas
esferas de poder. Para que a partir da ideia racional possa-se construir ideias
claras e distintas sobre as coisas.
Referências bibliográficas
DESCARTES, René. Discurso do método; Meditações;
Objeções e respostas; As paixões da alma; Cartas. 3a ed. - São Paulo: abril
Cultural, 1983.
SPINOZA. Baruch, Ética, tradução: Tomaz Tadeu, Autêntica
Editora, Edição: 2, 2009.
Comentários
Postar um comentário