Considerações sobre a noção de mito, tempo e espaço sagrado em Mircea Eliade




Por Jair Soares - Resumo apresentado na disciplina de Filosofia da Religião em 2017.


1.  Sobre o Mito e a experiência do Sagrado

1.1 Do sagrado
O objeto de estudo de Mircea Eliade (1907-1986) em sua obra Le Sacré et profane (1957) (O Sagrado e o Profano: A essência das religiões) é compreender o fenômeno religioso e a experiência do sagrado em sua totalidade. Entretanto, não podemos apresentar essas experiências sem antes compreender que fazem parte da esfera da “religião e da experiência do homem religioso”. Conforme Eliade (2010) “O que nos interessa, acima de tudo, é apresentar as dimensões específicas da experiência religiosa, salientar suas diferenças com a experiência profana do mundo”.

Eliade busca compreender as diversas leis de evolução do sagrado, a origem e a forma dessa experiência, e principalmente, entender o que é a experiência do sagrado que por sua vez, faz parte do homem religioso. Portanto, não há uma preocupação em estudar as ideias de Deus em seu livro.

Destacamos a distinção entre a experiência religiosa do homem da ideia de deus, entendendo que na tradição filosófica clássica, e posteriormente no período de helenização, a preocupação fundamental foi sustentar a ideia de Deus e do cristianismo a luz da razão filosófica, e não, preocupar-se estritamente com a experiência religiosa e do sagrado. A experiência religiosa era um caminho para o objetivo maior que era o conceito ou significado de Deus.

Com o advento do cristianismo e a sua consolidação, o endereçamento religioso assumido pela filosofia grega no seu percurso histórico encontrou nesse mesmo cristianismo um substituto. A passagem inicialmente, da religiosidade grega à religião cristã, não foi abrupta. Ela se deu num contexto que habitualmente se denomina de helenização do cristianismo. Os termos dessa assim chamada helenização foram postos pelas epístolas de Paulo de Tarso, que acabaram se transformando no apoio institucional sobre o qual os primeiros helenistas convertidos, erigiram o arcabouço da definição e da estabilidade canônica do cristianismo. Foi, sobretudo, que esses helenistas trabalharam na consolidação da doutrina cristã (SPINELLI, p. 20).

A expressão ciência das religiões, podemos afirmar que remonta, meados do século XIX, ou seja, seu desenvolvimento possui pouco mais de dois séculos. Não obstante, não foi Eliade o precursor em afirmar os estudos da religião enquanto uma ciência, outros autores, mesmo que de forma fortuita, trataram do assunto anteriormente como o padre Prosper Leblanc em 1852 e Ferdinand Stiefelhagen (1822-1902). Contudo, o termo é cunhado com mais precisão por Max Muller (1823-1900) em sua obra Chips from a German Workshop, volume I: Essays on the Science of Religion (1867).

Existem duas categorias fundamentais quando se trabalha a noção de ciência da religião, a primeira é a experiência religiosa que faz parte da vida do homem religioso e a segunda e mais importante, situa-se no sagrado. Este termo que se origina do Grego: íepoç, no latin: sacer, designa o objeto religioso, ou a experiência sobrenatural com características muitas vezes proibitivas, daí afirmar que o sentido de sagrado pode ter a ideia de santo(sacro), ou de sacrilégio(profanação) também. A experiência do sagrado surge com o desenvolvimento da humanidade, desde as tribos primitivas mais remotas até a civilização presente.

O homem das sociedades arcaicas tem a tendência para viver o mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Essa tendência é compreensível, pois para os primitivos como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análise, á realidade por excelência. O sagrado está saturado de ser. Potência sagrada que dizer ao mesmo tempo realidade, perenidade e eficácia (ELIADE, p. 18).


Eliade (1907-1986) sustenta a noção de sagrado afirmando que este, manifesta-se ao homem. O sagrado é o que se revela, e no mesmo instante, é o que é revelado. Neste sentido, se mostra como o oposto do profano. A categoria expressa por Eliade para conceber a experiência do sagrado é chamada de hierofania.

Afim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se ia dizer que a história do sagrado das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas (ELIADE, p. 17).

A revelação das realidades sagradas é uma base de sustentação para o homem religioso, durante séculos houve a necessidade de um norte (orientação ou ponto central) para o homem ocidental. Uma busca pela orientação e a ordem, seja individual, seja universal.  O homem sozinho não possui harmonia, daí a necessidade de buscar um caminho de fuga, no sentido de procurar respostas para suas angústias que não são respondidas na experiência do mundo da vida. O sagrado manifesta-se como uma realidade diferenciada em relação a realidade natural, justamente pela incapacidade humana de desenvolver o “totalmente outro” (ganz andere).

O homem ocidental moderno experimenta um certo mal-estar diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo. Mas, como não tardaremos a ver, não se trata de uma veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A pedra sagrada, as árvores sagradas não são adoradas como pedras ou como árvores sagradas mas justamente porque são hierofanias, porque revelam algo que já não é nem pedra, nem árvore, mas o sagrado, o gan andere (ELIADE, p. 18).

Assim, o sagrado constrói uma aproximação direta com o cosmos, o homem religioso é aquele que procura sua organização de vida no cosmos. É o cosmos que orienta e direciona em contraposição ao caos que faz parte da experiência desarmônica, desestruturada e desestruturante da vida e do mundo.

1.2  Sobre o Mito

 O significado do mito destaca - se nas primeiras experiências dos homens primitivos (caçadores, agricultores sedentários). Estes exprimem narrativas de caráter simbólico e imagético, dotadas de profunda misticidade e de busca por uma origem ou finalidade. A narrativa mitológica deixa sempre clara a distinção existente entre homens e deuses. Nesta experiência narrada é posta em questão a revelação ou o mistério, além do caráter sagrado.

A Morada dos deuses era o cume do Monte Olimpo, na Tessália. Uma porta de nuvem, da qual tomavam conta as deusas chamadas estações, abria-se afim de permitir a passagem dos imortais para a terra e para dar-lhes entrada, em seu regresso. Os deuses tinham moradas distintas; todos, porém, quando convocados, compareciam ao palácio de Júpiter, do mesmo modo que faziam as divindades cuja morada habitual ficava na Terra, nas águas, ou embaixo do mundo.  Era também no grande salão do palácio do rei do Olimpo que os deuses se regalavam, todos os dias, com ambrosia e néctar, seu alimento e bebida, sendo o néctar servido pela linda deusa Hebe. Ali discutiam os assuntos relativos ao céu e à terra; enquanto saboreavam o néctar, Apolo, deus da música, deliciava-os com os sons de sua lira e as musas cantavam. Quando o sol se punha, os deuses retiravam-se para as suas respectivas moradas, a fim de dormir (BULFINCH, p. 10).

 Neste sentido, a significação de mito é o primeiro momento de uma narrativa sobre; “O que vem a ser”. Mais precisamente do que é revelado e sustentado como verdadeiro. O mito também foi criticado com o surgimento da filosofia.

Na Antiguidade clássica, o Mito é considerado um produto inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era atribuída, no máximo, “verossimilhança", enquanto a "verdade “pertencia aos produtos genuínos do intelecto. Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. Platão contrapõe o Mito à verdade ou à narrativa verdadeira (Górg., 523 a), mas ao mesmo tempo atribui-lhe verossimilhança, o que em certos campos, é a única validade a que o discurso humano pode aspirar (Tini., 29 d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais verdadeiro pode encontrar (Górg., 527 a). Também para Platão o Mito constitui a "via humana mais curta" para a persuasão; em conjunto, seu domínio é representado pela zona que fica além do círculo estrito do pensamento racional, na qual só é lícito aventurar-se com suposições verossímeis. (ABBAGNANO, p. 673).

 Essa é a primeira revelação que poderíamos aproximar da experiência do sagrado nos indivíduos. A descrição do “vir a ser no mito” pode ser definida como a própria cosmogonia. Neste sentido, a “ideia do vir a ser da ordem,” aparece como elemento fundamente para o campo do sagrado.

O mito proclama a aparição de uma nova situação cósmica ou de um acontecimento primordial. Portanto, é sempre a narração de uma “criação”: conta-se como qualquer coisa foi efetuada, começou a ser. É por isso que o mito é solidário da ontologia: só fala das realidades sagradas, do que aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente (ELIADE, p.85).

 A cosmogonia é a negação do caos, pois acerca do caos nada pode-se dizer, porém, o caos fazendo parte da ordem do profano, também está no cosmos, e o elemento que medeia essa relação, podemos dizer que se encontra no rito ou ritual. O ritual é a exigência de repetição para que o caos não volte a acontecer.

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou heróis civilizadores (ELIADE, p. 84).

Eliade nos explica que o sagrado enquanto real por excelência é partícipe do ser. Em oposição, encontra-se o profano que não possui relação direta com o ser. Como ato real significativo, Eliade, relata a experiência agrícola que foi revelada tanto pelos deuses como heróis civilizadores, tal experiência, participa da esfera do sagrado, até determinada medida.

 A oposição profana seria a atividade agrícola situada no espaço dessacralizado, neste sentido, o trabalho agrícola é mantido apenas com o viés de “exploração” e não mais no sentido da colheita (experiência sagrada) que iria alimentar um contingente elevado de pessoas e que por sua vez, foi revelada pelos deuses. Percebe-se que no mito os deuses estão sempre relacionados a experiência reveladora e sagrada.

Nenhum deus, nenhum herói civilizador jamais revelou um ato profano. Tudo quanto os deuses ou antepassados fizeram — portanto tudo o que os mitos contam a respeito de sua atividade criadora — pertence à esfera do sagrado e, por consequência, participa do ser. Em contrapartida, o que os homens fazem por própria iniciativa, o que fazem sem modelo mítico, pertence à esfera do profano: é, pois, uma atividade vã e ilusória, enfim irreal (ELIADE, p. 85). 

Conforme (ELIADE, 2010) ....o “mito revela a sacralidade absoluta porque relata a atividade criadora dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles”. A atividade dos deuses é situada em determinados momentos do tempo e consagrada dentro de uma ritualidade e realidade, assim o mito narra a existência de algo dotado de verdade divina.

De acordo com (ELIADE, 2010) “É a irrupção do sagrado no mundo, irrupção contada pelo mito, que funda realmente o mundo”. O conceito de irrupção de Eliade traz a tona é tido como a “pergunta que surge” após a revelação desse algo sagrado.  Após a realidade mostrada através do mito que configura-se como verdade, a outra pergunta que faz parte é o por que ou como algo surgiu.

O “como surgiu” é situado como responsabilidade do divino, a criação das coisas no mundo ao qual o mito revela é obra do poder divino. Assim, o mito apresentado por Eliade é situado como base fundante da experiência do sagrado.

Por outro lado, sendo toda criação uma obra divina, e, portanto, irrupção do sagrado, representa igualmente uma irrupção de energia criadora no mundo. Toda criação brota de uma plenitude. Os deuses criam por um excesso de poder, por um transbordar de energia. A criação faz-se por um acréscimo de substância ontológica (ELIADE, p.86).

Portanto, para Eliade o mito nasce com uma função de sustentar os exemplos mais importantes dos ritos que existem desde o surgimento da humanidade. É também no mito que se estabelece a relação mais próxima entre o homem e o divino. O mito muitas vezes aparece como o exemplo a ser seguido pelos homens, pois os mesmo tendem a imitar os deuses, talvez seja a forma na qual os homens possa se manter no sagrado.
2. O Tempo e o Espaço sagrado

2.1 Sobre o tempo

Para Eliade o tempo é situado em momentos ou intervalos que são divididos em tempos sagrados, tempos das festas e tempos profanos, que encontra-se na duração temporal ordinária. Outra questão a ser citada é que o rito está presente nessa experiência, ou seja, com o rito é o caminho onde de saída do tempo ordinário para o tempo sagrado.

O tempo também apresenta-se como experiência reversível no sentido de que os rituais de festa sempre estão reatualizando um tempo mítico passado. Assim o tempo sagrada não muda nem se esgota. A cada momento ou ritual sempre será a continuidade de algo santificado e sagrado.

O tempo sagrado é indefinidamente recuperável, indefinidamente repetível. De certo ponto de vista, poder-se ia dizer que o tempo sagrado não “flui”, que não constitui uma duração irreversível. É um tempo ontológico por excelência, “parmenidiano”: mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota (ELIADE, p. 64).   

Esse tempo no qual o homem sustenta periodicamente por meio dos ritos é também dividido em dois tempos. O primeiro Eliade chama de tempo contemporâneo e o segundo e mais importante situa-se no tempo sagrado. É por meio desses dois momentos que podemos distinguir o homem religioso do não religioso. O homem religioso é aquele que não consegue viver plenamente no mundo material, para ele não basta. Para esse homem sempre será necessário voltar ao tempo sagrado. O tempo do homem não-religioso para Eliade é situado no não reconhecimento do tempo sagrado. Ele realiza as mesmas experiências temporais do homem religioso, todavia, não sustenta os intervalos do sagrado.

Já o homem religioso é aquele que conhece, reconhece e apoia-se na sacralidade do tempo. Para ele trata-se de um tempo primordial e santo. O tempo do homem religioso é constituído de roturas e mistérios e as festas é a expressão mais próxima de uma experiência litúrgica. Todavia o homem não-religioso de acordo com Eliade, o tempo para na dimensão apenas existencial, como situa-se na sua própria existência pressupõe apenas em dois momentos indigestos: apenas um início e um fim, ou seja, a morte.

Para o homem não-religioso o tempo da presença divina não é percebida, porém a duração profana do tempo é assimilada com mais precisão. O homem religioso é aquele que consegue parar a duração temporal profana através dos ritos, situados em um tempo sagrado.

Tal como uma igreja constitui uma rotura de nível no espaço profano de uma cidade moderna, o serviço religioso que se realiza no seu interior marca uma rotura na duração temporal profana: já não é o tempo histórico atual que é presente — o tempo que é vivido, por exemplo, nas ruas vizinhas — mas o tempo em que se desenrolou a existência histórica de Jesus Cristo, o tempo santificado por sua pregação, por sua paixão, por sua morte e ressureição (ELIADE, p. 66).

Eliade afirma que mesmo havendo diferenças entre tempo sagrado e profano, contudo, não teria como afirmar com precisão todas as diferenças existentes entre ambos. Por isso a base principal para a experiência do tempo sagrado, situa-se no cristianismo pois o mesmo, iniciou a perspectiva do tempo litúrgico, tendo como base dentro de um tempo histórico a imagem de Jesus Cristo.

Por fim, destaca também que o tempo sagrado antes das religiões pré-cristãs está baseado no “tempo mítico” ou primordial. Essas religiões pré-arcaicas, inauguram todo o surgimento do tempo sagrado. Conforme (ELIADE, 2010) ...” pois nenhum tempo podia existir antes da aparição da realidade narrada pelo mito”.

Seguindo o mesmo contexto passamos agora para duas categorias existentes ainda na noção de tempo sagrado. Falaremos do Templus e o Tempus. O primeiro refere-se a noção de espaço e o segundo de tempo.
Eliade fala da experiência que ocorre na mudança de tempo ao finalizar o ano. Ou seja, a finalização do cosmos que ocorre ao terminar o último mês do ano.

 Nessa experiência ocorre o nascimento, desenvolvimento e o fim. Ao nascer novamente, ocorre o que Eliade chama de correspondência cósmico-temporal e a mesma situa-se na natureza religiosa. Assim ocorre nesse processo o tempo cósmico das criações divinas. Entende-se aqui que o tempo é este situado no próprio mundo(cosmos) e o templum (lugar santo) é a imagem desse mundo.

A significação profunda de todos esses fatos parece ser a seguinte: para o homem religioso das culturas arcaicas, o mundo renova-se anualmente, isto é, reencontra a cada novo ano a santidade original, tal como quando saiu das mãos do criador (ELIADE, p. 69).


O exemplo do ano que se renova é para Eliade uma questão central, para pensarmos novamente o conceito de cosmogonia, ou seja, o momento da criação, origem e princípio do universo. O mesmo procura fazer uma relação e destaca que existe uma aproximação profunda entre cosmogonia e tempo. A cosmogonia assim, segundo Eliade faz brotar um tempo cósmico.

Acrescentamos agora que a cosmogonia comporta igualmente a criação do tempo. Mais ainda: o tempo cósmico que a cosmogonia faz brotar é o modelo exemplar de todos os outros tempos, quer dizer, dos tempos específicos às diversas categorias existentes (ELIADE, p. 69).

Assim, chegamos a compreensão de que antes do cosmos, não existia um tempo cósmico, ou seja, o tempo para Eliade surge na experiência como tal. O tempo nasce com a primeira imagem, revelação inicial, pois não existe tempo anterior ao existente.

2.2 O Espaço Sagrado

A não-homogeneidade é a categoria cunhada por Eliade para descrever o espaço do homem religioso. Neste sentido, é importante frisar que a noção de espaço sagrado não comporta o homogêneo, isso significa que não há semelhanças nos diversos espaços sagrados. Cada espaço apresenta roturas, qualidades e porções diferenciadas.

Neste sentido, percebemos que existem diversos espaço mas sempre dentro de uma perspectiva sagrada e profana, ou seja, no espaço sagrada existe consistência, potência e significado, todavia, o espaço profano é aquele onde a inconsistência prevalece e por isso são considerados como espaços amorfos.

E preciso dizer, desde de já, que a experiência religiosa da não-homogeneidade do espaço constitui uma experiência primordial, que corresponde a uma fundação do mundo. Não se trata de uma especulação teórica, mas de uma experiência religiosa primária, que precede toda a reflexão sobre o mundo. É a rotura operada no espaço que permite a constituição do mundo, porque é ela que descobre o “ponto fixo” o eixo central de toda a orientação futura (ELIADE, p. 26).


Para Eliade o ponto fixo é originado pela hierofania (revelação), que anuncia a fundação do mundo enquanto um espaço central. Pois nenhum mundo poderia surgir no caos, assim, toda constituição do espaço sagrado tem como ponto de partida a centralidade do cosmos. Os homens fundam o mundo no sentido de buscarem uma orientação por meio da experiência revelada do sagrado.

Todavia, a experiência profana não possui o ponto fixo e sua experiência possui uma centralidade homogênea, neste sentido, o mundo é o que está posto sem sentido algum. Um todo fragmentado com uma infinitude de lugares onde os homens desenvolvem suas ações de forma forçada pelo mundo da vida massificada (vida industrializada).

Como exemplo do ponto fixo, temos uma igreja que representa o espaço onde o homem religioso desenvolve sua experiência de harmonia ou encontro com o sagrado. E nesse espaço que existe a oposição ao mundo da rua, ou seja, a morada do sagrado é o espaço de purificação das experiências mundanas. A porta da igreja anuncia a continuidade do espaço, o local onde o homem religioso busca a transcendência em oposição a existência profana das multidões humanas.

O simbolismo do templo é o ponto mais próximo entre os deuses e os homens. É no templo que existe o símbolo do portal que permite os deuses entrarem em contato com os homens e ao mesmo tempo, os homens purificados, seguirem rumo a salvação no templo.

O templo ou a igreja são espaços qualitativamente diferentes do mundo da rua. Segundo Eliade (2010) ...a “teofania consagra um lugar pelo próprio fato de torna-lo “aberto” para o alto, ou seja, comunicante com o céu, ponto paradoxal de passagem de um modo de ser a outro”.

Todo o tempo os homens estão buscando o contato direto com os deuses e os espaços sagrados são é um dos caminhos mais próximos para a realização da experiência, quando não ocorre no espaço, os homens criam outras condições por meio de rituais ou evocações. Como exemplo, Eliade cita a experiência dos homens com animais sagrados.

Trata-se, em resumo, de uma evocação das formas ou figuras sagradas, tendo como objetivo imediato a orientação na homogeneidade do espaço. Pede-se um sinal para pôr fim à tensão provocada pela relatividade e à ansiedade alimentada pela desorientação, em suma, para encontrar um ponto de apoio absoluto (ELIADE, p. 31).

 Por fim, compreende-se que a noção de espaço sagrado para Eliade, surge com as experiências sagradas dos homens no intuito de estabelecerem uma aproximação direta com a revelação ou salvação. O lugar sagrado marca sempre um ponto fixo que estabelece uma distinção com o profano. Outra questão importante é que o espaço configura-se como um lugar de fuga do caos e uma busca pela orientação.


REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: idade da fábula: histórias de Deuses e heróis – Rio de Janeiro: Editora Ediouro Publicações/SA, 2002.


SPINELLI, Miguel. Helenização e Recriação de sentidos: a filosofia na época da expansão do cristianismo – Porto Alegre: Editora Edipucrs,2002.



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