INSURGÊNCIAS NO MUNDO: Crise ética, política e jurídica dos governos?

Por Jair Soares

     Vocês lembram dos termos Liberté, Egalité Fraternité? Pois é! Essas expressões, marcaram um período importante do pensamento político da França no século XVIII ocasionando a queda da monarquia e o surgimento da primeira república francesa em Setembro de 1792. O evento marca sobretudo às características reais das chamadas democracias liberais. Ou seja, aquelas que pretendem anular a intervenção do estado, para que o mesmo não interfira nas escolhas dos cidadãos e na economia. Do ponto de vista de um pensamento democrático progressista, a questão torna - se problemática, contudo, não temos o interesse de discutir tal questão. Nosso foco, é refletir o tema das insurgências no mundo e o possível desmoronamento ético, político e jurídico de alguns países. Principalmente, países que sustentam perspectivas mais liberais.

     A revolução francesa de 1789 provocou a derrubada do governo absolutista na França. O absolutismo era marcado pelo poder dos nobres, aristocratas e igreja católica(clero) sob a regência de Luis XVI. Os grupos políticos radicais como os San-Culotte(artesãos), juntamente com os camponeses, ambos apoiados pela burguesia e os ideais iluministas, foram os grandes responsáveis pela revolução.         

Tomada da Bastilha de Jean Houel - 1789
         Tais grupos, não suportaram o aumento das desigualdades sociais, as ideias emergente do iluminismo, a má gestão econômica, o fracasso agrícola, a dívida nacional e sobretudo, a péssima gestão política de Luís XVI. O conjunto dessas causas, fazem com que esses grupos iniciem um processo de retomada do estado. A queda da bastilha e a declaração universal dos direitos do homem e do cidadão, juntamente com a marcha sobre Versalhes marcaram fortemente esse momento. Porém, esse mesmo movimento revolucionário, será o grande responsável para eclodir outras insurgências na Europa nos séculos seguintes. 



    

       As insurgências podem ocorrer por diversas questões, dentre elas, temos a "negação de um poder" centralizado e estabelecido que não representa os ideais de sociedades mais progressistas. Muitas vezes questões ligadas a economia e o trabalho explodem pelo fato de determinados seguimentos da sociedade não concordarem com decisões de seus representantes. Será que representam mesmo? Porém, existem insurgências por parte de forças tradicionais conservadoras que não concordam com modelos democráticos mais progressistas, como ocorreu no Brasil em 1964 com a ditadura militar e em 2016 com os partidos conservadores do Congresso Nacional Brasileiro. Contudo, é importante frisar um momento marcante no Brasil, as chamadas manifestações de 2013 ou jornadas. De acordo com Ferreira (2018, p.1):

 As Jornadas de Junho de 2013 (ora denominadas JJ13) podem ser consideradas como um marco da história política do Brasil contemporâneo. Acontecimento complexo, renegado em grande medida pelos partidos e organizações de esquerda hegemônicos, reprimida e depois pirateada pela direita conservadora e neoliberal, as JJ13 abriram o ciclo histórico de crise política da sociedade brasileira.


Junho de 2013 em São Paulo - Movimentos nas ruas.

          As jornadas de 2013, refletem mais uma vez a insatisfação popular, mas antes de tudo, demonstra a crise ética, política e jurídica do estado brasileiro. Vem à tona todo o despreparo político do congresso e do governo, os desequilíbrios entre os partidos e seus representantes, a falta de ética e moral dos congressistas, os escândalos relacionados ao desvio de recursos públicos e principalmente, a incapacidade dos representantes do povo e a fragilidade do estado. Ferreira (2018, p.2) salienta que:


Foram uma insurgência/insurreição que, em termos históricos e sociológicos, consiste em um levante, mais ou menos simultâneo, de classes/grupos subalternos numa determinada sociedade, que usando de diferentes formas de ação e resistência coletiva, especialmente a ação direta e a violência civil não letal (que inclui a destruição de propriedade e a autodefesa de massas), exercem um contra-poder que neutraliza as funções governamentais temporariamente.

        2019 foi marcado por diversas insurgências no mundo, como na França do então presidente: Emmanuel Macron. Os franceses (coletes amarelos) criticam a política fiscal sobre os combustíveis, a perda do poder de compra da classe média e a suspensão de impostos sobre grandes fortunas. As elites estão a matar o povo francês, pessoas sem casa, fome e miséria. Tudo isso despertou o fervor revolucionário do país. Lembraram de 1789? Será que existe relação?

Movimento do coletes amarelos na França/2019.

        No Chile, pela primeira vez após a ditadura de Augusto Pinochet, diversas pessoas tomaram as ruas. As manifestações tem como motivo o aumento da passagem de ônibus e a constituição do país que é vigente desde o governo do ditador.  O atual presidente Sebastián Piñera, agiu de forma truculenta e repressiva. Cerca de 200 pessoas ou mais perderam a visão devido os tiros armas de fogo e de borracha, disparados pelos militares chilenos.

Centro de Santiago-Chile-Outubro de 2019. Movimento Mapuche.

         Peru e Equador entraram no mesmo movimento, a crise política e econômica mais uma vez é a grande responsável pela insatisfação da população. Os últimos cinco presidentes do Peru foram presos, existe uma situação de corrupção muito profunda e os conservadores de direita encontram – se em processo de fiscalização e monitoramento referente a crimes políticos. Atualmente o congresso foi dissolvido pelo então presidente Martín Vizcarra, após derrota no parlamento. Em resposta o congresso controlado pela oposição, aprovou por um ano a suspensão do atual presidente.

Manifestantes em Lima no Peru pedem dissolução do congresso.

        No equador, a decisão do governo de eliminar subsídios à combustíveis, levou o país à beira do caos. A medida implementada para atender um acordo assinado com o Fundo Monetário Internacional – FMI para a concessão de empréstimos, gerou um aumento de até 123% nos combustíveis. Desde então, milhares de camponeses e indígenas tomaram as ruas em diversas regiões do país, reivindicando seus direitos.

     O atual presidente Lenín Moreno, decretou Estado de exceção, onde os militares tem chancela para agirem de qualquer forma, inclusive com o chamado toque de recolher. Esses exemplos no levam a hipótese de que as crises estabelecidas no seio ético, político e econômico dos diversos países do mundo, levam às populações de modo geral à caírem no descrédito com as chamadas democracias representativas. A primeira questão é que ninguém defende interesse de ninguém, todos os interesses defendidos pelos poderes executivo, legislativo e judiciário são interesses particulares. Isso significa que as decisões políticas seguem muitas vezes os ditames dos interesses econômicos mundiais, como no caso do Equador e França.

Manifestante no Equador/Outubro/2019

         Para sermos mais claros, basta entendermos que a figura de um presidente para governar precisa fazer acordos, negócios e decisões que muitas vezes não interessam a sociedade em geral. No Brasil do governo Bolsonaro está sendo a mesma coisa. Basta percebermos o que está sendo feito com a economia do país na gestão do ministro Paulo Guedes. Para que não sabe, o ministro da economia brasileira é referência em economia com grande foco no liberalismo, possui ações em diversos bancos privados, fundos de investimento etc. No período em que Pinochet aplicou o golpe no Chile em 1973, foi convidado para ser professor na Universidade do Chile sob a coordenação do governo totalitário. Pelo currículo, parece que não precisamos tirar grandes conclusões.

      A economia brasileira em 2019 está sendo marcada pela super inflação, política de privatizações( eletrobrás, bancos) e corte de recursos destinados à programas e projetos de desenvolvimento social. Segundo o IBGE o percentual de desempregados em Setembro de 2019 chegou à 11,8%, atingindo cerca de 12, 5 milhões de brasileiros. As vagas criadas são totalmente precárias, 41% dos ocupantes são informais. Isso significa que esses trabalhadores não possuem seus direitos trabalhistas, horas de descanso, salário digno etc. Tais questões são insustentáveis, ocasionando na organização de grupos e movimentos que logo mais, irão as ruas para buscar provocar rupturas na ordem vigente.


     As insurgências no mundo, nos mostram que a estrutura do estado e o modelo político estabelecido não possuem base de sustentação. Cada vez mais, vão sucumbindo em pequenas doses letais. Assim, provocamos os leitores a refletirem: Seria possível um outro modelo de estado? Uma outra política? O que seria? Porque a que temos no mundo, não tem mais o que nos mostrar. Não significa mais nada. Apenas crise e colapso.  


REFERÊNCIAS

 https://diplomatique.org.br/ecos-de-junho-insurgencias-e-crise-politica-no-brasil-2013-2018/ - Acesso 14/12/2010 - 22:00

 

Comentários

  1. É isso aí, querido Jair. Refletir, agir, refletir....

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  2. Gostei da leitura, Jair. No meu entendimento, a influência dos EUA atravessa boa parte da agenda político-econômica que está fragilizando e deformando essas diferentes nações que você menciona em seu texto. É um elemento essencial de uma boa análise posteriormente...

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